Onda de 'coach' entra na mira do Conselho Federal de Psicologia
Acompanhamento psicológico e psicoterapia para ajudar pessoas a superar traumas profundos como depressão e episódios de violência, por exemplo, são serviços exclusivos de psicólogos, graduados e com registro no Conselho Federal de Psicologia (CFP). É isso o que defendem acadêmicos e representantes do setor. Recentemente, o conselho passou a fazer alertas contra o aumento do número de cursos e serviços de “coaching”, que é uma metodologia de “desenvolvimento e maximização de performance humana”. A prática não é regulamentada, não está presente em universidades e, tecnicamente, não é uma profissão. Há, nos últimos anos, no entanto, uma onda de cursos e instituições especializadas na metodologia.
Em razão da falta de regulamentação, há diferentes interpretações sobre o que é ser coach, inclusive, com divergências internas sobre o limite de atuação dos profissionais. A International Coach Federation (ICF) e a Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) têm códigos de ética que versam sobre princípios e normas a serem cumpridos. No entanto, nenhum deles esclarece quais os limites de atuação em relação a outros campos, como psicologia ou psiquiatria. É comum ver coach atuando em temas específicos, como emagrecimento, relacionamento, vendas, entre outros, cujas abordagens seriam restritas a profissionais de outras carreiras.
Praticamente qualquer área poderia contar com um coach. Há coach para sexualidade, sensualidade e conquista. Uma modalidade que causa apreensão entre profissionais é o “coach oncológico”, alguns especializados em crianças, que atuariam na recuperação de pessoas com câncer. “Curso presencial para ser coach de crianças, não tem pré-requisitos, dura quatro dias, e quem faz sai pronto para atender”, diz um anúncio que circula na internet.
Um caso que ganhou repercussão nos últimos dias demonstrou o que seria um dos riscos na utilização da metodologia para situações que ultrapassam limites profissionais. Um diálogo reproduzido na página “Dicas Anti-Coach” no Facebook aponta um “coach”, de 18 anos de idade, que teria feito apenas um curso rápido, oferecendo atendimento a uma criança com sintomas de esquizofrenia. O cliente, contudo, era falso. A página afirma que um de seus seguidores teria visto o anúncio do coach e resolveu inventar uma situação fictício para testar o atendimento. O coach, mesmo diante de um caso descrito como o de uma criança psicótica, se prontificou a dar sequência ao trabalho. “Descreveu sintomas de esquizofrenia infantil e o coach aceitou atender, cobrou R$ 4,7 mil pelo procedimento online”, descreveu a página no post ilustrado com o diálogo. Embora o exemplo visto na página tenha causado apreensão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) não tem registro de casos em que pacientes tenham sido prejudicados por coach de alguma forma.
Descrito pela página como seu “caçador de coachs”, o psicólogo clínico Bruno Faria conta que fez cursos na área, mas que hoje se dedica a “desmascarar” maus profissionais. “Fiz formações em coach (sistêmico, master coach, etc). Desde que terminei percebi logo de cara que não eram coisas boas. Mas de uns três anos pra cá, os absurdos começaram a aparecer”, disse.
Faria afirma que trabalha em uma pesquisa sobre casos que considera fraudulentos. “Eu percebi que todas essas técnicas vinham da Psicologia e que o coach utilizava de uma forma empobrecida, mas eu não via como 100% ruim. As coisas ficam complicadas quando pessoas que não têm nenhuma formação anterior, fazem a formação em coach e começam a acreditar que estão habilitadas..
O “caçador de coaches” afirma que de 2015 para 2016 começaram a aparecer coach que rivalizaram com a Psicologia e com a Medicina. “Pessoas que saíram realizando ‘ofertas de trabalho’ dizendo ‘se cure da sua depressão’, ‘seu transtorno de ansiedade na verdade é uma crença limitante’ e ‘o coach tem ferramentas para superar isso’. Achávamos que isso era um sensacionalismo barato, dos que existem em todas as áreas. Só que isso cresceu”, denuncia.
“Não vendemos solução para depressão”, diz master coach referência no Brasil
Dono da maior escola de coach do Brasil e uma das maiores do mundo, a Febracis, o master coach Paulo Vieira defende a metodologia, mas deixa claro: não pode ultrapassar a área de atuação. “Coach não é psicologo, não é psiquiatra. Cada área deve ser respeitada. Nós orientamos todos os nossos alunos. Nós narramos o que é psicologia, psiquiatria, mentoria e separamos as coisas. Nós não vendemos solução para depressão, não vendemos solução para ansiedade. Isso não é um produto nosso. Não era para haver essa discussão”, lamenta.
Vieira explica, no entanto, que existem muitos casos de pessoas que se “curam” por meio das práticas de coaching. “Tenho muitos amigos médicos que se formaram em coach para seu desenvolvimento pessoal. E que têm vários casos de gente que chegou com sintomas de depressão e que quando o nutrólogo, o médico, refez a orientação nutricional a pessoa saiu de uma depressão de três anos”, compara.
Outro caso, segundo ele, é de uma pessoa desempregada por quase um ano que conseguiu um emprego. “Os sintomas de depressão e pânico foram embora. A empresa não é psicóloga”, exemplifica.
De acordo com a Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC), o papel do coach é “apoiar o cliente (coachee) durante o processo de coaching para que possa alcançar as metas determinadas por ele, desde o início do projeto”. A metodologia, segundo o grupo, considera que “tudo aquilo que envolve o passado não pode e nem deve ser considerado. O processo de coaching avalia o estado atual do indivíduo para que ele chegue ao estado desejado”.
“O primeiro foco é performance. O segundo é reestruturação da inteligência, conforme Daniel Golemann, o terceiro, reprodução de crenças, de modelos mentais. O quarto é estilo de vida, estilo de vida saudável. A pessoa vem fazer coaching comigo porque quer melhorar sua performance. Só que nós vamos trabalhar tudo e quando estamos re-empoderando ele em seu estilo de vida, o que acontece com os sintomas depressivos é que eles vão embora. Nós não trabalhamos a cura da depressão, mas quando nos trabalhamos o reequilíbrio muitas vezes a depressão vai embora”, justifica.
O dono da Febracis admite que existem maus profissionais. “Como em todas as categorias, temos instituições e instituições. Temos escolas de coach que são muito boas e tem escolas que não são boas. Nenhuma escola vai garantir a fala de seu aluno”, diz.
Segundo ele, os cursos sérios são exigentes em sua formação. “É boato (que exista curso de quatro dias). Não são quatro dias. Nosso curso tem 98 horas presencial, mais pelo menos mais 60 horas e depois temos toda a grade que envolve treinamento, que chega, dependendo da especialidade, a 600 horas. E temos o TCC também. Tem que entregar e comprovar a experiencia dele. Temos uma plataforma ultracomplexa que vai do registro fotográfico a cada um dos exercícios em que tudo fica registrado. São cinco engenheiros trabalhando nisso”, garante.
Sobre as várias áreas, Vieira afirma que há uma confusão. “O coach, na tradução literal, é técnico. Você pode dizer que coach de qualquer coisa, como diz é ‘técnico’ de qualquer coisa. Eu sou um coach de relações amorosos, é um técnico de relações amorosa. Ou outro siginificado é a profissão. Aí temos o profissional coach, mas são coisas diferentes que se confundem, por ignorância. Eu sou coach de Lyoto Machida e Wesley Safadão. Ambos têm outros vários coach, que são os técnicos de cada área. O Lyoto tem o coach de caratê, de boxe, de musculação, que são os técnicos, da tradução, são coach treinadores”, compara.
Conselho orienta que psicólogos separem as coisas
Recentemente, o Conselho Federal de Psicologia publicou uma nota com orientação aos profissionais psicólogos sobre condutas relacionadas à atuação como coach. A conselhereira Iara Lais Raittz Baratiele Omar, do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), fez parte do grupo do CFP que elaborou a nota. “A nota do conselho federal é principalmente aos psicólogos que optam por atuar com coach. O conselho não tem a possibilidade de opinar sobre a atuação do coach, porque não é uma profissão da psicologia”, afirma. A conselheira afirma o alerta foi necessário devido ao grande número de psicólogos que aderiu à metodologia. Em razão de coach não ser uma profissão regulamentada, a psicóloga afirma que não há comparação entre os limites da Psicologia com a Psiquiatria, que principalmente nos anos 1990 também foi discutida. “É uma visão particular e peculiar (não tem comparação). Coach não é uma profissão. Psicologia é regulamentada como profissão da área da saúde. Um psiquiatra pode indicar psicoterapia e um psicólogo está ciente de suas restrições por se tratar de uma atuação regulamentada”, esclarece.Uma das características da atuação de coach é a divulgação do trabalho. “Há um apelo midiático que não pode ocorrer na Psicologia. O psicólogo tem uma serie de restrições. Está no artigo 20 do código de ética que é não fazer divulgação”, lembra.
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