Pular para o conteúdo principal

Hospitais premiam médicos que indicam mais exames

Prática tem sido questionada por especialistas em ética e gestão

Hospitais privados do país adotam programas de benefícios que, entre outros critérios, premiam médicos pelo volume de exames, cirurgias e internações que realizam.

Quanto mais procedimentos, mais pontos ganham na avaliação –que inclui itens como fidelização, adesão aos protocolos clínicos e atuação em ensino e pesquisa.

O médico que soma mais pontos consegue mais reputação dentro do hospital e privilégios como presentes, descontos em exames para ele e seus familiares e prioridade no uso do centro cirúrgico.

Na condição de anonimato e de não identificar a instituição em que atuam, a Folha conversou com 12 médicos de hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Todos confirmam a existência de programas de benefícios em que o volume de procedimentos é considerado na premiação.

"O médico do pronto-atendimento que interna mais ganha mais pontos", conta um médico do Rio de Janeiro. "Tem um médico que segura paciente internado sem necessidade só para gerar mais diária hospitalar", relata um outro de São Paulo.

Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz que a entidade tinha informações sobre esses incentivos por volume, mas nunca conseguiu provar que eles existiam. Agora, deve pedir uma investigação sobre isso. "É inaceitável", afirmou.

Para ele, a raiz do problema está no modelo de remuneração. Os hospitais ganham dos planos pela quantidade de serviços que prestam ("fee for service"), não pela qualidade da assistência que prestam ao paciente.

"Os hospitais estão cada vez mais ricos, e os planos cada vez mais pobres. É dramática a situação." Em razão da crise econômica, os planos perderam mais de 2 milhões de usuários em dois anos.

Ali Mere Jr. também acredita que é preciso mudar o modelo de remuneração, mas discorda de Ramos. "Os hospitais estão mais caros, mas não mais ricos."

EXCESSO NO USO

Gláucio Libório, presidente do Instituto Ética Saúde, critica programas que incentivam volume de procedimentos e diz que eles abrem brechas para crimes como os vistos na "máfia das próteses".

A prática é investigada há dois anos pela Polícia Federal e ao menos 40 pessoas já foram indiciadas. Além de compras superfaturadas, que lesaram o SUS e os planos, em alguns casos cirurgias foram indicadas sem necessidade.

"Sou totalmente contra programas que envolvam volume. Médicos não podem receber nenhum benefício atrelado a quantidade de procedimentos de nenhum tipo."

O cardiologista Luís Cláudio Correia, representante da Choosing Wisely no Brasil (campanha contra o excesso de exames e o sobrediagnóstico), não acredita que os programas tenham papel crucial em indicações excessivas ou desnecessárias de exames.

"A questão é mais cognitiva do que de premiação, de incentivo. Imagino que na ausência de qualquer conflito de interesse, o 'overuse' continuaria prevalente."

Para o intensivista Guilherme Barcellos, membro honorário da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar e coordenador da Choosing Wisely Brasil, não é frequente nesses programas uma remuneração direta a médicos por indicações de procedimentos.

"Entram num combo que garante privilégios. Mais receita para o hospital e o médico vira 5 estrelas, ganha estacionamento grátis, lavagem do carro e coisas do tipo."

EINSTEIN 'EXPORTA' PROGRAMA

Considerado modelo no setor, o programa de benefícios do hospital Albert Einstein está sendo replicado em outras oito instituições do país.

Segundo o presidente do hospital, Sidney Klajner, o programa de segmentação médica é usado como forma de fidelizar profissionais autônomos à instituição. São 70 indicadores que geram pontuações que classificam médicos como "premium, advance, evolution e special".

Os indicadores são baseados em qualidade (adesão a protocolos, interação com a equipe), fidelização (número de pacientes trazidos para o hospital), filantropia (atividades voluntárias nos programa filantrópicos) e participação em ensino e pesquisa.

Klajner diz que o hospital valoriza mais a fidelidade do médico ao Einstein do que o volume de procedimentos.

"Médicos que têm cadastramento e internam pacientes em vários hospitais têm pontuação menor do que aquele que estão exclusivamente no Einstein."

Segundo ele, em relação a exames, para cada especialidade existe uma meta mediana esperada. "A partir dessa mediana não é contado mais nada. Estamos mais interessados que o médico peça o exame no Einstein e não no Fleury do que no volume."

O Einstein vetou recentemente uma prática que poderia gerar conflito de interesse: postos de coleta de exames mantidos por laboratórios em consultórios médicos.

"Por mais que cause perda de receita, isso poderia gerar incentivo para exames complementares desnecessários."

Também proíbe que seus médicos recebam comissões por tipo de quimioterapia que indicam. "Perdemos profissionais por isso."

O Hospital Sírio-Libanês diz que não remunera os médicos por quantidade de exames e que "repugna essa prática". Também não há remuneração por quimioterapia indicada, segundo o CEO, Paulo Chapchap. "Os médicos são remunerados pelo cuidado com o paciente."

O Hospital Oswaldo Cruz disse que o porta-voz indicado a falar sobre o assunto estava viajando.

O Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, informou que seu programa médico passa por reestruturação e que só se manifestará após a conclusão do processo.

A Rede D'Or, que tem 31 unidades no país, disse que "não tinha interesse em participar da reportagem".

Fonte: Folha de SP

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mais chá?

"Você pode não se livrar dos seus medos, mas pode aprender a conviver com eles. Mais chá?"

Neurociências aplicadas à Administração

  Neurociências aplicadas à Administração Prof. Armando Ribeiro ministrando à disciplina de Psicologia Aplicada à Administração do curso de Administração do Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper , em 2012, foi um dos precursores da aplicação das neurociências ao estudo da Administração de Empresas e "Business School" do país. (Foto: Arquivo Pessoal). Como o comportamento organizacional é multifatorial, as neurociências são um dos caminhos importantes para a compreensão do homem no trabalho. Ao discorrer sobre as emoções no trabalho e a importância do estudo da Múltiplas Inteligências, inclusive da Inteligência Emocional, os alunos aprendem conceitos básicos de "neuroaprendizagem" e gestão do capital intelectual.  “Não seremos limitados pela informação que temos. Seremos limitados por nossa habilidade de processar esta informação.” (Peter Drucker) O Prof. Armando Ribeiro enfatiza a importância dos estudantes de Administração em c...

Educação para a vida

Armando Ribeiro é psicólogo, coach e palestrante sobre Gestão do Estresse, Bem-Estar e Qualidade de Vida. Coordenador do Programa de Avaliação do Estresse da Beneficência Portuguesa de São Paulo. "João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história." Sábio poeta Carlos Drummond de Andrade em retratar a confusão dos nossos dias. O mundo anda cada vez mais desfocado! Nossos filhos são desde muito cedo expostos à mais alta tecnologia da dispersão mental. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Harvard (EUA) e publicado na prestigiada revista Science demonstrou que a mente esta dispersa em 46,9% do tempo. Você pode até achar que está lendo este texto, mas é provável que sua mente já tenha se dispersado i...