Armando Neto conta que a avaliação identifica níveis de estresse antes das doenças
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Avaliação psicológica em um hospital para identificar pacientes com estresse, foi uma inovação introduzida por Armando. Lúcia utiliza o mesmo processo para analisar casos na Justiça envolvendo crianças e adolescentes. Conheça essas duas aplicações.
Quem procura um médico ou um hospital para fazer a avaliação geral de seu estado de saúde costuma sair com uma receita para check-up que inclui inúmeras análises físicas e laboratoriais. Sentiu falta de alguma coisa? Sim, a investigação sobre a saúde mental quase sempre é deixada de lado. Pensando nisso, o psicólogo Armando Ribeiro das Neves Neto propôs a criação de um Programa de Avaliação de Estresse à Beneficência Portuguesa, em São Paulo, onde trabalha desde 2000. A princípio, a avaliação foi agregada ao serviço de check-up que era oferecido por um dos hospitais da instituição, o São José. Desde 2012, porém, o hospital deixou de realizar check-ups. Mas o programa continuou, de forma independente. Considerado inédito na época de sua criação, em 2010, o objetivo não é apenas o de tratar pessoas diagnosticadas com estresse, mas principalmente identificar os primeiros sinais antes de ele se manifestar.
"O programa seguiu um modelo que eu trouxe dos Estados Unidos e que lá é disseminado em hospitais modelo, como o de Harvard, onde fiz estágio. Ele utiliza conceitos do check-up médico e permite fazer o levantamento de perfis comportamentais que podem sugerir a existência de um nível de estresse antes que os sintomas da doença apareçam", explica Neto, que coordena o programa. O psicólogo, que possui certificação em Diagnóstico e Gestão do Estresse pela Harvard Medical School, cursou MBA em Saúde Ocupacional pela Unifesp.
A iniciativa de Neto mostra que, embora a avaliação seja um processo assimilado na rotina de psicólogas/os das mais diversas áreas, há campos em que é pouco explorado. Para ele, a avaliação de estresse é essencial porque este é um fator desencadeador de outros problemas de saúde, como acidente vascular cerebral, gastrite e síndrome do intestino irritável.
"Devido à falta da cultura de fazer avaliações psicológicas para chegar a um diagnóstico precoce do estresse, os pacientes só chegam ao psicólogo muito tempo depois de iniciar tratamentos medicamentosos ou cirúrgicos indicados por conta desses outros problemas de saúde", afirma o psicólogo, acrescentando que é comum também que nos atendimentos convencionais médicos prescreverem férias como terapia. Mas, de acordo com Neto, ficar um tempo longe do trabalho não é nem uma solução mágica e nem curativa. Antes, ressalta, é necessário fazer uma avaliação detalhada. "O diferencial do nosso Programa de Avaliação de Estresse é que nós fazemos a mensuração da doença para possibilitar uma recomendação mais acertada do que a pessoa deve fazer para gerenciá-la, tornando-se mais resiliente. Afinal, algumas causas de estresse, como a correria da vida em grandes cidades, não podem ser eliminadas com férias", afirma Neto.
Desafios de um modelo novo
Introduzir a avaliação psicológica para identificação do estresse em um grande hospital não foi tarefa simples, segundo conta. Quando propôs o programa, muitos colegas estranharam o fato de o hospital incluir um psicólogo em função de check-up. Para ele, o papel da/do psicóloga/o como avaliador é subdimensionado. Mesmo na comunidade médica resiste a imagem desse profissional ligada apenas ao atendimento em consultório.
"Essa visão estereotipada e reducionista do papel da Psicologia precisa mudar", afirma Neto. "Afinal, corpo e mente não são dissociados." Ele enfatiza que as condições de ambos devem ser avaliadas igualmente se o objetivo é prevenir doenças. O psicólogo exemplifica dizendo que um usuário pode se sair bem na avaliação cardiológica ou apresentar nível adequado de colesterol, mas se seu nível de estresse, ansiedade e depressão não forem investigados ele poderá manifestar em breve sintomas físicos de adoecimento. "Ao incluir a avaliação psicológica no programa de check-up, fizemos outra constatação interessante: muitos pacientes tiveram contato ali, pela primeira vez, com psicólogos. Alguns jamais haviam se consultado antes, porque ainda há um pensamento dominante de que ir tem problema mental."
Para viabilizar o programa, Neto também precisou adaptar o que aprendeu em sua experiência em Harvard à realidade brasileira. Ele criou um protocolo de testes psicológicos de rápida aplicação, que oferece indicadores sobre o nível de estresse da pessoa. A dificuldade nesse ponto foi encontrar testes validados pelo Conselho Federal de Psicologia, já que não era possível simplesmente traduzir ou reproduzir os testes aplicados no exterior.
Análise psicológica para o Judiciário de Bauru, foi o trabalho de
Lucia Rodrigues de Almeida por vinte anos
Lucia Rodrigues de Almeida por vinte anos
Avaliação no campo jurídico
Em Bauru, a experiência da psicóloga Lucia Maria Rodrigues de Almeida mostra outro campo importante em que o processo de avaliação é utilizado. Atualmente ela trabalha prestando atendimento psicossocial clínico aos funcionários do Poder Judiciário da cidade e região, mas por mais de duas décadas se dedicou à análise psicológica em processos jurídicos envolvendo crianças e adolescentes.
Depois de uma breve experiência com avaliação de internos para fins de progressão de pena na Penitenciária 2 de Bauru, em 1994, Lucia foi chamada para assumir o cargo de psicóloga no Tribunal de Justiça - para o qual havia prestado concurso. "Foi o primeiro grande concurso de psicólogos para o interior do estado e minha turma foi a que iniciou esse serviço de avaliação. Foi um grande desafio, pois até então não havia clareza entre os funcionários da área de Direito sobre qual seria o papel de psicólogos em um serviço jurídico", explica. A visão de seus colegas no Tribunal, assim como acontece em outras áreas da sociedade, era a do estereótipo de psicóloga/o que atende em consultório ouvindo pacientes deitados em um divã.
"Na avaliação apontávamos as falhas e omissões que poderiam ter acontecido por parte do Estado no que diz respeito a atender os direitos desse adolescente à saúde, à educação, ao lazer"
Lucia Rodrigues de Almeida
Aos poucos, Lucia e sua equipe mostraram que seu papel não era o de atuação clínica e sim o de avaliar os casos que chegavam às varas de Família e varas da Infância e Juventude com a finalidade de proporcionar aos juízes subsídios para suas tomadas de decisão. Se a situação envolvia, por exemplo, um adolescente que havia cometido um ato infracional, a avaliação psicológica era fundamental para mostrar ao juiz o histórico familiar e social e as circunstâncias em que isso havia acontecido. "Na avaliação também apontávamos as falhas e omissões que poderiam ter acontecido por parte do Estado no que diz respeito a atender os direitos desse adolescente à saúde, à educação, ao lazer etc. Mostrávamos como tudo isso pode ter influenciado para que o adolescente cometesse o ato infracional", diz ela.
Junto com o trabalho de avaliação, segundo Lucia, abria-se também espaço para intervenções de orientação para famílias e escolas a respeito do encaminhamento que deveria ser dado às crianças e adolescentes, ou de direcioná-las para tratamento, quando necessário. Em outras situações, segundo a psicóloga, o trabalho assumia o caráter de mediação. Se o caso era sobre pais que disputavam a guarda de um filho, os profissionais faziam a avaliação para auxiliar o juiz em sua decisão, mas também orientavam o casal que se separara a refletir sobre a situação e, muitas vezes, chegar a um acordo tendo em vista o interesse da criança. Dessa forma procurava-se fazer com que as partes se tornassem mais flexíveis com o objetivo de alcançar o melhor acordo para o filho, tendo sempre em mente que o ideal é conseguir que a convivência com ambos os genitores seja harmoniosa. Eventualmente podia ser indicada uma terapia familiar, mesmo se tratando de um casal desfeito.
Crianças e adolescentes em situação de acolhimento, que haviam sofrido violência de toda espécie ou sido encaminhadas para adoção também passavam pela avaliação da equipe da qual Lucia fez parte. "Cada caso podia ser avaliado por muitos atores envolvidos no cuidado com aquela criança ou adolescente. Fazíamos reuniões para discutir cada processo. Além dos psicólogos judiciários, as instituições de acolhimento e responsáveis pelos CAPS, por exemplo, relatavam como estava a situação para que se pudesse chegar a um consenso de encaminhamento", diz Lucia.
"Ao incluir a avaliação psicológica no programa de check-up, fizemos outra constatação interessante: muitos pacientes tiveram contato ali, pela primeira vez, com psicólogos"
Armando Ribeiro das Neves Neto
Depois de tantos anos trabalhando com foco no processo de avaliação no Poder Judiciário, Lucia considera que a Psicologia tem muito a contribuir para um olhar mais humanizado da sociedade. A avaliação psicológica cumpre o papel de ajudar a contextualizar as histórias, situando no mundo aquele indivíduo que, antes, representava apenas um número em um processo. "Esse trabalho auxiliava os operadores do Direito a entender as condições de vida e as oportunidades que aquelas crianças e adolescentes haviam tido. Mostrava que elas eram de um mundo diferente daquele onde circulam os advogados e juízes. A Psicologia, dessa forma, ajudava a humanizar as relações envolvendo a Justiça."
Fonte: CRPSP
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