quinta-feira, abril 30, 2020

Errar é humano. Mas médicos não podem errar? O lado humano dos erros médicos

Errar é humano. Mas médicos não podem errar? 
O lado humano dos erros médicos

Dr. Mauricio Wajngarten; Dr. Jairo Rays

Erro é a falha de uma ação planejada ser completada como o pretendido ou o uso de um planejamento errado para alcançar um objetivo. Um evento adverso atribuído a erro é um evento adverso que poderia ter sido evitado. As consequências dos erros médicos podem ser catastróficas, e grande parte deles pode ser evitado.

As principais causas dos erros médicos variam entre ambientes hospitalares e ambulatoriais. Nos ambulatórios ou consultórios a influência das orientações do sistema e regras institucionais é menor. [1]

Nos hospitais são causas frequentes de danos evitáveis: eventos associados aos medicamentos, úlcera de pressão e infecção urinária associada à sonda vesical. [2]

Por outro lado, nos consultórios ou ambulatórios os riscos relacionados com a segurança do paciente mais comuns são: erros de diagnóstico, falhas em exames complementares e prescrição de medicamentos.

Evidentemente, os fatores pessoais relacionados com a atuação de cada médico têm uma importância fundamental e, possivelmente, excedem a influência dos fatores institucionais. Por essa razão, cabe discutir o "lado humano dos erros médicos".

Errar é humano

Em economia está estabelecido que risco está relacionado com uma situação que permite a avaliação da probabilidade de um desfecho, enquanto incerteza está relacionada com uma situação na qual não há ideia do que pode ocorrer.

Nas condutas médicas a consideração do risco é fundamental, porém, não raramente, pequenos riscos são assumidos. Por exemplo, não higienizar adequadamente as mãos ou deixar de conferir interações medicamentosas. Poderíamos comparar a quando, ao dirigir, excedemos o limite de velocidade permitida em 5 ou 10 km/h. Embora improvável, um evento adverso pode acontecer. Muitos toleram e cometem pequenas transgressões, mas isto caracteriza imprudência. Mas incertezas e dúvidas podem surgir com frequência, por exemplo, em atendimentos de urgência ou emergência, principalmente quando faltam recursos ou tempo para orientar o diagnóstico "de certeza". Em uma recente enquete quase 80% dos médicos de emergências afirmaram ter incertezas diagnósticas diariamente. [3]

Errar e ter incertezas é humano.

Perceber e reconhecer o erro

Erros não são causados por falhas individuais, mas do sistema como um todo. No entanto, os médicos tendem a não os relatar, por isso, é preciso estimular a transparência, e que seja feita a notificação do erro. [4] Estima-se que somente 10% a 20% dos erros sejam reportados espontaneamente. [5]

Uma análise interessante comparou pilotos de avião com médicos e enfermeiros quanto à postura diante de vários fatores relacionados com a prevenção de erros. [6] O estudo mostrou que os pilotos reconheceram mais frequentemente a influência do cansaço no próprio desempenho, aceitaram melhor as sugestões de profissionais menos experientes, reconheceram que erram, tiveram facilidade em discutir os seus erros e concordaram que os erros resultaram essencialmente de falhas nos sistemas.

A dificuldade de reconhecer um erro é humana.

Transparência e pedido de desculpas

Uma definição de erro inclui a falha em comunicar adequadamente o problema da saúde ao paciente.

Um grande estudo multicêntrico mostrou que 45% dos estagiários e 31% dos médicos assistentes se sentiram desconfortáveis ao relatar erros de diagnóstico.

Além disso, revelou treinamento falho quanto à comunicação desses erros aos pacientes, bem como a falta de sistema adequado para apontá-los. Os médicos mais jovens podem sentir desconforto por falta de experiência, medo de serem punidos ou falta de confiança nos sistemas de notificação. [7]

Pedir desculpas a um paciente por um erro pode ajudar a reconstruir a relação médico-paciente. A maioria dos pacientes quer um pedido de desculpas, e a própria orientação ética recomenda a divulgação de erros.

Assim como a dificuldade de reconhecer um erro, é humana a resistência a pedir desculpas.

Burnout , depressão, suicídios

Burnout, depressão e suicídio entre médicos vêm ganhando muita atenção. A frequência desses graves problemas parece ser grande e às vezes é descrita como sendo maior do que na população geral. [8] Porém, mais importante do que saber a frequência exata é entender causas, consequências e soluções. Os três problemas podem fazer parte de um mesmo "pacote". Dependem de vários fatores pessoais e da vida, mas, se a análise for concentrada na atuação profissional, estresse, ambiente, carga de trabalho, exigências burocráticas são causas ou desencadeantes comuns. Deve ser ressaltado que, nesse contexto, o erro médico merece especial atenção. Dados sugerem uma preocupante relação bidirecional direta entre o "pacote" e os erros. [9] A solução ou atenuação dessa relação "erros-pacote" necessariamente envolve melhorar as condições de trabalho, adotar medidas de prevenção de erros e dar atenção e apoio à saúde física e mental dos profissionais da saúde.

Sim, somos humanos e podemos adoecer.

Médicos não são infalíveis

Feliz ou infelizmente, em especial no passado, muitas pessoas consideravam o médico como um "ser superior", infalível. Com o tempo, essa imagem foi sendo desconstruída, com prejuízos à credibilidade e exacerbação de críticas, sobretudo diante de desfechos insatisfatórios. Por isso, é muito importante construir uma boa relação com o paciente e seus familiares. Um estudo interessante procurou analisar como a experiência do paciente e as interações médico-paciente afetam o risco de erro de diagnóstico. [10] Entre os erros de diagnóstico analisados, os problemas nas interações médico-paciente emergiram como um dos principais fatores contribuintes. Os erros médicos mais comuns foram ignorar ou descartar sintomas preocupantes ou piora no estado do paciente. Também foram relatadas queixas de que os médicos desrespeitavam o paciente ou se comunicavam de modo inadequado. Enfim, devemos saber ouvir e aprimorar a comunicação.

Como todos os humanos, os médicos não são infalíveis.

Formação de estudantes e residentes

Há uma falsa divisão entre os raciocínios diagnóstico e terapêutico que prejudica o aprimoramento do pensamento crítico. Novas abordagens pedagógicas cognitivas podem unificar esses tipos de raciocínio. Elas induzem os alunos a adquirir um conjunto de habilidades para otimizar diagnósticos e tratamentos. [11]

Entre essas habilidades está a capacidade de trabalho em equipe. A fim de melhorar a segurança do paciente, tem sido cada vez mais recomendado o atendimento interdisciplinar, em vez da abordagem clássica, na qual o médico é o único responsável pelo diagnóstico. [12]

A inclusão de programas de treinamento interdisciplinar tem crescido, [13] incluindo atividades práticas com a simulação de situações inesperadas e críticas para avaliar a atitude dos participantes. [14]

Errar é humano, mas persistir sem capacitação é burrice.

O lado humano da tecnologia

Ferramentas tecnológicas como prontuários eletrônicos, telemedicina, sensores e aplicativos prometem aprimorar a assistência e a segurança dos pacientes. Contudo, trazem desafios bem humanos relacionados com a utilização, interpretação dos dados e a tão debatida garantia da privacidade dos pacientes. Por exemplo, um estudo mostrou que mesmo com o uso de prontuários eletrônicos, houve uma alta frequência de erros na prescrição de medicamentos por residentes e estagiários. Os erros pareceram relacionados com fatores bem humanos, como falta de supervisão por médicos mais experientes e sobrecarga de trabalho. [15]

No topo da tecnologia atual está a inteligência artificial. Ela poderá aumentar a segurança do diagnóstico, integrar rapidamente novas descobertas científicas em algoritmos de diagnóstico e aumentar a compreensão dos erros e retardos dos diagnósticos. A inteligência artificial é um produto em evolução do conhecimento humano. [16]

A tecnologia tem limitações humanas.

Citar este artigo: Errar é humano. Mas médicos não podem errar? - Medscape - 27 de abril de 2020.

Fonte: MEDSCAPE

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