domingo, janeiro 13, 2013

Como uma orientação pode mudar nossa vida? DiarioWeb

Para psicoterapeuta, mais do que orientar, conselhos têm a função de acolher, e devem vir de quem sente afeto por nós

Por Francine Moreno - DiarioWeb

Por um ano e meio, o designer Daniel Motta resolveu compilar conselhos. Ele colocou uma urna em mais de 30 pontos estratégicos de São Paulo, com papel e caneta. Nela, fez um pedido simples: “Me dê um conselho”. Em junho de 2012, o designer lançou em livro uma compilação com alguns desses conselhos. A obra “Me Dê um Conselho” “ (Editora Altamira, 256 páginas, R$ 50) traz sugestões como “Voe de avião e pule de paraquedas” ou “Ria de Si Mesmo”. 


Paralelo ao lançamento do livro, Motta criou um site (www.medeumconselho.com.br), onde homens e mulheres em busca de orientação podem ler as dicas, comprar o livro e ter acesso a links como contato e página oficial no Facebook. Na página www.facebook.com/MeDeUmConselho, o escritor e designer divulga imagens originais dos conselhos. 

A iniciativa proposta inusitada do designer paulistano chama atenção e sugere uma reflexão. Até que ponto um conselho é válido? Ele pode mesmo mudar uma história? Por que as pessoas gostam tanto de aconselhar? 
Segundo o dicionário, conselho é parecer, juízo, opinião, assim como advertência que se emite; admoestação, aviso ou senso do que convém; tino, prudência e aviso. 

Profissionais da psicologia, no entanto, afirmam que conselhos são experiências vividas ou aprendidas que podem ser transmitidas de uma pessoa para outra. Cada conselho contém uma visão de mundo própria do indivíduo que o transmite. Esses conceitos podem ou não ser verdadeiros ou aplicáveis a outro indivíduo. “Muitas vezes, eles podem ser produtivos, outras, engraçados e baseados em crendices”, afirma o psicólogo Alexandre Caprio. 

Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo e coordenador do Programa de Avaliação do Estresse do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, afirma que um conselho não é neutro, mas é resultado das experiências de vida, opiniões e informações disponíveis para quem o dá. “Quando buscamos um conselho, é fundamental lembrar que o emissor se confunde com o próprio conselho, portanto, poderá ser positivo ou negativo em relação aos resultados e expectativas do solicitante”, diz. 

No entanto, quando um conselho é válido, ele pode abrir os olhos, incentivar. “Um bom conselho não dá respostas diretas, mas cria uma atmosfera ideal para que o solicitante possa tirar suas próprias conclusões e se responsabilizar pelos próprios atos. Um bom conselho pode ser um colírio para os olhos indecisos e incentivar a mudança de perspectiva”, afirma Neves Neto. 

Conselhos vindos de pais, avós ou amigos experientes podem fazer a diferença diante de uma situação difícil. “O conselho bem intencionado pode mover montanhas, mas é preciso ter cuidado para não sermos guiados a tirar conclusões equivocadas e nos esquivarmos das responsabilidades pelas decisões. Às vezes, pais e amigos são ótimos conselheiros, mas podem ter uma opinião tendenciosa sobre o problema, e o pior, podem gerar tensão, pois criam expectativas sobre a ação”, revela Neto. 

Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, de Rio Preto, afirma que, seja de quem for, mais importante que aconselhar é acolher. “Muitas vezes, o que acontece é que pessoas supostamente mais experientes acabam indicando certo caminho que dificilmente estará de acordo com a realidade daquele que vive a experiência, isso por não serem capazes de tolerar o processo de erros e acertos que é inerente ao aprender com a experiência.” 

Cuidado com as ‘alfinetadas’ 

O psicólogo Armando Ribeiro das Neves Neto faz um alerta. “Cuidado com o erro comum de achar que se o conselho dói é porque tem razão. Nem todo remédio precisa ser amargo para curar uma ferida. Uma alfinetada não é uma boa estratégia para aconselhar alguém, pois pode gerar culpa, ressentimento ou mesmo evitação do problema. Lembre-se que o seu conselheiro não é dono da razão, e que ninguém sabe mais da sua vida do que você mesmo. Às vezes, uma alfinetada é um pequeno empurrão para sair da inércia, mas além de doer não significa que a pessoa estava certa”, diz. 

Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, afirma que a verdade só é útil quando muito bem irrigada de afeto, de outra maneira se transforma em crueldade, e não pode existir aprendizado sob hostilidade. “Quando não é possível a continuidade do vínculo, o conselho se desfaz ou, ainda, vira uma regra fria e sem conteúdo. Dessa forma, não há como reverter a favor”, diz. 

O psicólogo Alexandre Caprio afirma que quando alguém nos aconselha a fazer algo certo, no fundo, já sabemos que estamos fazendo do jeito errado. “Desta forma, o conselho é entendido como crítica ou até ofensa. Em vez de acolhermos aquilo de forma produtiva, repudiamos e afastamos as pessoas que procuraram nos ajudar. Sempre que alguém nos aponta uma falha que já sabemos que temos sentimos uma pontadinha dentro de nós.” 

Responsável pelas próprias escolhas 

Também é necessário ignorar alguns conselhos, principalmente quando se deposita a autonomia e a responsabilidade na fonte do conselho. “Opiniões são dados importantes para se tomar uma boa decisão, mas cada um deve ser responsável por suas escolhas. Às vezes, pessoas muito inseguras se tornam dependentes de conselhos para viver, e essa é uma forma prejudicial de se conduzir a própria vida”, afirma Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo e coordenador do Programa de Avaliação do Estresse do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. 

Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, afirma que é preciso não ouvir o conselho quando ele vier de alguém que não nos dedica afeto e, assim, não é capaz de oferecer um olhar de acolhimento. “O aconselhamento sem afeto é vazio. Além do mais, muito provavelmente esse suposto conselheiro deve estar mantendo certa intenção oculta, quando propõe essa ação ausente de carinho. Quer seja livrar-se de alguma frustração ou mesmo sentir-se superior.” 

Também existe hora certa para aconselhar. Um momento ideal é quando o outro pede a dica. “Não devemos invadir a individualidade e o processo de tomada de decisões de cada um sem sermos solicitados. Quando nos pedem opiniões, é preciso refletir se temos experiência sobre a situação ou se estamos emitindo uma opinião rasa e superficial, que poderá confundir em clarear a situação”, afirma Neves Neto.





Um comentário:

  1. "Se conselho fosse bom, não se dava, vendia", mas “(...) um bom conselho pode ser um colírio para os olhos indecisos e incentivar à mudança de perspectiva”.

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