Para psicoterapeuta, mais do que orientar,
conselhos têm a função de acolher, e devem vir de quem sente afeto por
nós
Por Francine Moreno - DiarioWeb
Por um ano e meio, o designer Daniel Motta resolveu compilar conselhos. Ele colocou uma urna em mais de 30 pontos estratégicos de São Paulo, com papel e caneta. Nela, fez um pedido simples: “Me dê um conselho”. Em junho de 2012, o designer lançou em livro uma compilação com alguns desses conselhos. A obra “Me Dê um Conselho” “ (Editora Altamira, 256 páginas, R$ 50) traz sugestões como “Voe de avião e pule de paraquedas” ou “Ria de Si Mesmo”.
Paralelo ao lançamento do livro, Motta criou um site (www.medeumconselho.com.br),
onde homens e mulheres em busca de orientação podem ler as dicas, comprar o
livro e ter acesso a links como contato e página oficial no Facebook. Na página
www.facebook.com/MeDeUmConselho, o escritor e designer divulga imagens
originais dos conselhos.
A iniciativa proposta inusitada do designer paulistano chama atenção e sugere
uma reflexão. Até que ponto um conselho é válido? Ele pode mesmo mudar uma
história? Por que as pessoas gostam tanto de aconselhar?
Segundo o dicionário, conselho é parecer, juízo, opinião, assim como
advertência que se emite; admoestação, aviso ou senso do que convém; tino,
prudência e aviso.
Profissionais da psicologia, no entanto, afirmam que conselhos são experiências
vividas ou aprendidas que podem ser transmitidas de uma pessoa para outra. Cada
conselho contém uma visão de mundo própria do indivíduo que o transmite. Esses
conceitos podem ou não ser verdadeiros ou aplicáveis a outro indivíduo. “Muitas
vezes, eles podem ser produtivos, outras, engraçados e baseados em crendices”,
afirma o psicólogo Alexandre Caprio.
Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo e coordenador do Programa de Avaliação
do Estresse do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, afirma que um
conselho não é neutro, mas é resultado das experiências de vida, opiniões e
informações disponíveis para quem o dá. “Quando buscamos um conselho, é
fundamental lembrar que o emissor se confunde com o próprio conselho, portanto,
poderá ser positivo ou negativo em relação aos resultados e expectativas do
solicitante”, diz.
No entanto, quando um conselho é válido, ele pode abrir os olhos, incentivar.
“Um bom conselho não dá respostas diretas, mas cria uma atmosfera ideal para
que o solicitante possa tirar suas próprias conclusões e se responsabilizar
pelos próprios atos. Um bom conselho pode ser um colírio para os olhos
indecisos e incentivar a mudança de perspectiva”, afirma Neves Neto.
Conselhos vindos de pais, avós ou amigos experientes podem fazer a diferença
diante de uma situação difícil. “O conselho bem intencionado pode mover
montanhas, mas é preciso ter cuidado para não sermos guiados a tirar conclusões
equivocadas e nos esquivarmos das responsabilidades pelas decisões. Às vezes,
pais e amigos são ótimos conselheiros, mas podem ter uma opinião tendenciosa
sobre o problema, e o pior, podem gerar tensão, pois criam expectativas sobre a
ação”, revela Neto.
Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, de Rio Preto, afirma que, seja
de quem for, mais importante que aconselhar é acolher. “Muitas vezes, o que
acontece é que pessoas supostamente mais experientes acabam indicando certo
caminho que dificilmente estará de acordo com a realidade daquele que vive a
experiência, isso por não serem capazes de tolerar o processo de erros e
acertos que é inerente ao aprender com a experiência.”
Cuidado com as ‘alfinetadas’
O psicólogo Armando Ribeiro das Neves Neto faz um alerta. “Cuidado com o erro
comum de achar que se o conselho dói é porque tem razão. Nem todo remédio
precisa ser amargo para curar uma ferida. Uma alfinetada não é uma boa
estratégia para aconselhar alguém, pois pode gerar culpa, ressentimento ou
mesmo evitação do problema. Lembre-se que o seu conselheiro não é dono da
razão, e que ninguém sabe mais da sua vida do que você mesmo. Às vezes, uma
alfinetada é um pequeno empurrão para sair da inércia, mas além de doer não
significa que a pessoa estava certa”, diz.
Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, afirma que a verdade só é útil
quando muito bem irrigada de afeto, de outra maneira se transforma em
crueldade, e não pode existir aprendizado sob hostilidade. “Quando não é
possível a continuidade do vínculo, o conselho se desfaz ou, ainda, vira uma
regra fria e sem conteúdo. Dessa forma, não há como reverter a favor”, diz.
O psicólogo Alexandre Caprio afirma que quando alguém nos aconselha a fazer
algo certo, no fundo, já sabemos que estamos fazendo do jeito errado. “Desta
forma, o conselho é entendido como crítica ou até ofensa. Em vez de acolhermos
aquilo de forma produtiva, repudiamos e afastamos as pessoas que procuraram nos
ajudar. Sempre que alguém nos aponta uma falha que já sabemos que temos sentimos
uma pontadinha dentro de nós.”
Responsável pelas próprias escolhas
Também é necessário ignorar alguns conselhos, principalmente quando se deposita
a autonomia e a responsabilidade na fonte do conselho. “Opiniões são dados
importantes para se tomar uma boa decisão, mas cada um deve ser responsável por
suas escolhas. Às vezes, pessoas muito inseguras se tornam dependentes de
conselhos para viver, e essa é uma forma prejudicial de se conduzir a própria
vida”, afirma Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo e coordenador do
Programa de Avaliação do Estresse do Hospital Beneficência Portuguesa de São
Paulo.
Renato Dias Martino, psicoterapeuta e escritor, afirma que é preciso não ouvir
o conselho quando ele vier de alguém que não nos dedica afeto e, assim, não é
capaz de oferecer um olhar de acolhimento. “O aconselhamento sem afeto é vazio.
Além do mais, muito provavelmente esse suposto conselheiro deve estar mantendo
certa intenção oculta, quando propõe essa ação ausente de carinho. Quer seja
livrar-se de alguma frustração ou mesmo sentir-se superior.”
Também existe hora certa para aconselhar. Um momento ideal é quando o outro
pede a dica. “Não devemos invadir a individualidade e o processo de tomada de
decisões de cada um sem sermos solicitados. Quando nos pedem opiniões, é
preciso refletir se temos experiência sobre a situação ou se estamos emitindo
uma opinião rasa e superficial, que poderá confundir em clarear a situação”,
afirma Neves Neto.
"Se conselho fosse bom, não se dava, vendia", mas “(...) um bom conselho pode ser um colírio para os olhos indecisos e incentivar à mudança de perspectiva”.
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