Especialistas em
teledramaturgia explicam o sucesso da novela “Avenida Brasil”, que termina
nesta semana. Desejo de vingança é o que move a história
Por Francine Moreno e Daniela Fenti
Jornal Diário da Região / DiarioWeb
São José do Rio Preto, 14 de Outubro, 2012
Jornal Diário da Região / DiarioWeb
São José do Rio Preto, 14 de Outubro, 2012
Quando termina o
Jornal Nacional, uma parcela alta de brasileiros aumenta o som da televisão e
entra em uma sessão quase de hipnose. Tudo para acompanhar os momentos finais
da novela “Avenida Brasil”, da TV Globo. Escrita por João Emanuel Carneiro, a
novela termina nesta sexta-feira, dia 19, e tem conquistado a liderança da
audiência no horário das 21 horas ao contar uma de série de escândalos e
aventuras envolvendo a turma do Divino, o pessoal do lixão e as mulheres de
Cadinho (Alexandre Borges).
O tema central da novela é a vingança incontrolável. De um lado está Nina (Débora Falabella), a “mocinha” da novela, com características que lembram Joana D’Arc, e do outro Carminha (Adriana Esteves), a madrasta dissimulada capaz de tudo para se dar bem. Em meio a atos e sentimentos bons e ruins, o público deixa de sair, estudar ou trabalhar para assistir a cada capítulo.
Diante da torcida e da expectativa, uma pergunta fica no ar: quais as razões para tamanho sucesso da novela?
Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia brasileira e autor de livros como “A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil”, “Selva de Pedra” e “O Bem-Amado”, afirma que “Avenida Brasil” é um folhetim clássico que flerta com outros gêneros, como o seriado e o cinema, de forma que apresenta em cada capítulo um texto rico em nuances e facetas a se explorar.
“A novela também catalisa a atenção do público por conta de personagens carismáticos, como Tufão (Murilo Benício), Nina e Carminha.”Nilson Xavier, autor do “Almanaque da Telenovela Brasileira” e criador do site Teledramaturgia (www.teledramaturgia.com.br), diz que a novela faz sucesso por causa da maneira como é conduzida, pelo capricho da produção, pela direção competente, pela atuação do elenco excepcional e, principalmente, pelo carisma dos personagens. “É uma soma de fatores que explica seu sucesso.”
O tema central da novela é a vingança incontrolável. De um lado está Nina (Débora Falabella), a “mocinha” da novela, com características que lembram Joana D’Arc, e do outro Carminha (Adriana Esteves), a madrasta dissimulada capaz de tudo para se dar bem. Em meio a atos e sentimentos bons e ruins, o público deixa de sair, estudar ou trabalhar para assistir a cada capítulo.
Diante da torcida e da expectativa, uma pergunta fica no ar: quais as razões para tamanho sucesso da novela?
Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia brasileira e autor de livros como “A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil”, “Selva de Pedra” e “O Bem-Amado”, afirma que “Avenida Brasil” é um folhetim clássico que flerta com outros gêneros, como o seriado e o cinema, de forma que apresenta em cada capítulo um texto rico em nuances e facetas a se explorar.
“A novela também catalisa a atenção do público por conta de personagens carismáticos, como Tufão (Murilo Benício), Nina e Carminha.”Nilson Xavier, autor do “Almanaque da Telenovela Brasileira” e criador do site Teledramaturgia (www.teledramaturgia.com.br), diz que a novela faz sucesso por causa da maneira como é conduzida, pelo capricho da produção, pela direção competente, pela atuação do elenco excepcional e, principalmente, pelo carisma dos personagens. “É uma soma de fatores que explica seu sucesso.”
Alencar lembra que a vingança move tanto Nina quanto Carminha e não sabe afirmar se ela terá fim. “Cada qual sob sua ótica e dentro de suas justificativas lutam por justiça, para reequilibrar um mundo que estava em perfeita harmonia. Quanto ao final da vingança, depende essencialmente do que o autor João Emanuel Carneiro pretende contar nesta novela. O esperado é que, ao final da história, a vingança seja finalizada, mas não podemos prever quais consequências ela trará para as personagens envolvidas.”
Na opinião de Alencar, há diversos elementos trabalhados em “Avenida Brasil” que fazem o público ficar vidrado. O retrato positivo e colorido do subúrbio carioca, com sua gente que ascende socialmente sem, no entanto, renegar suas origens, é um deles. “Também podemos ver um núcleo cômico (que envolve o personagem Cadinho) que funciona como um respiro dentro dos capítulos e divertem os telespectadores. No entanto, não há como negar que a trama aborda muitos assuntos populares e que fazem parte do cotidiano do brasileiro, como o futebol e os bailes.”
Segundo Nilson Xavier, o elemento-chave é que as pessoas se identificam com os personagens, cada qual com uma função na hierarquia dramatúrgica da novela. “O autor tem o mérito de conduzir sua trama com ganchos muito fortes, o que garante a audiência. A direção é estilizada, em contraponto com a intenção popular da novela (tipos humanos, ambientações, trilha sonora). É uma novela que agrada a todos, de todas as classes. Todos se enxergam naqueles personagens. Ninguém fica passível a ‘Avenida Brasil’.”
Velocidade
Tantos ganchos permitem ao autor conduzir a trama com bastante agilidade, cheia de reviravoltas, às vezes no mesmo capítulo. “E é isso o que o público espera. Ninguém gosta de enrolação.” Alencar diz que a velocidade de uma narrativa está relacionada com as características autorais. “Cada autor moldará o ritmo de sua novela de acordo com suas preferências. Uma trama de Benedito Ruy Barbosa ou Manoel Carlos terá uma velocidade menor que novelas de Aguinaldo Silva e João Emanuel Carneiro. O público entende que a ágil narrativa de ‘Avenida Brasil’ é mais um dos pontos positivos da novela, mas não o principal fator para o sucesso.”
Em busca de referências
A cada capítulo bombástico de “Avenida Brasil”, pipocam comparações na internet. Há quem diga que a banana de Max (Marcello Novaes) para a família de Tufão (Murilo Benício) foi uma homenagem à cena em que Marco Aurélio (Reginaldo Faria) se despede do País, em “Vale Tudo” (1988), de Gilberto Braga. Outros associam a frase “Pobreza Pega”, citada por Carminha (Adriana Esteves) durante uma briga com a sogra, Muricy (Eliane Giardini), à personagem Bia Falcão (Fernanda Montenegro), em “Belíssima” (2005), de Silvio de Abreu. E tem até quem extrapole as referências da teledramaturgia.
Para o escritor e jornalista Lucius de Mello, a obra de João Emanuel Carneiro traça caminhos semelhantes ao conto “Emma Zunz”, do primeiro volume de “Obras Completas”, do argentino Jorge Luis Borges (1899- 1986). Em seu ensaio “Não Chores por Mim, Carminha”, Mello defende que tanto Emma quanto Nina (Débora Falabella) não medem esforços para realizar seus planos de vingança, tornando-se, ao mesmo tempo, heroínas e bandidas.
Resumidamente, a protagonista borgiana recebe a notícia de que o pai morreu e, para vingá-lo, é capaz de ter uma experiência como prostituta. A mocinha à avessas da TV também passou por situações politicamente incorretas, motivadas pelo ódio à vilã. “Não conversei com o autor, mas penso que ele se inspirou em Borges para criar o folhetim brasileiro. Gostaria que, assim como Emma mata Loewenthal, Nina matasse Carminha, reverenciando a alta literatura”, palpita.
Quem é a mocinha?
Mas será que Nina é mesmo a mocinha da novela? Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia brasileira, afirma que Nina não só é a mocinha, como também a protagonista da novela. “É sob o ponto de vista dela que identificamos a trama. Se tentássemos acompanhar a mesma história, só que contada por Carminha, com certeza teríamos uma outra novela.”
Para Alencar, o fato de Nina agir e chegar a extremos (como tomar atitudes antiéticas para prosseguir em sua vingança) não a faz perder a função de mocinha, muito pelo contrário, “enriquece-a com um perfil complexo e neurotizado”.
Já Nilson Xavier, autor do “Almanaque da Telenovela Brasileira”, diz que não a vê como mocinha. “Já ouvi dizerem que a mocinha de ‘Avenida Brasil’ é o Jorginho, e concordo. Ele é o chorão, o que sofre.” Alencar afirma que Carminha causa tanto ódio e também tanta empatia porque partilha de um perfil que há muito tempo a teledramaturgia trabalha: a vilã carismática. “São personagens que tomam atitudes cruéis, amorais e nocivas.
Justamente pela falta de limite e ética, tornam-se porta-voz dos sentimentos e conceitos mais deturpados de nossa sociedade, sempre pontuando os absurdos com deboche e bom-humor. Personagens como ela acabam dizendo tudo aquilo que gostaríamos, mas não podemos declarar em nosso dia a dia (seja por questão de educação, convivência ou polidez).” Xavier diz que Carminha gera amor e ódio porque a personagem é má, mas engraçada. “Tem tiradas ótimas, espirituosas, e é inteligente. Faz e diz coisas horríveis, mas é um reflexo do que todos nós gostaríamos de dizer ou fazer.”
Divulgação/TV
Globo
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Jorginho
(Cauã Reymond) e Tufão (Murilo Benício): dramas da vida real reproduzidos na
telinha
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Novela serve
como lente de aumento sobre a sociedade
“Avenida Brasil” chama tanta atenção porque seu drama é realista. É fácil encontrar em casa, no trabalho ou na faculdade um pouco de cada personagem da novela. A teledramaturgia, assim, se torna uma lente de aumento para explicitar comportamentos e padrões da sociedade. Segundo a psicologia, a identificação do público com o folhetim se deve ao fato de que, em menor ou maior grau, existem muitas Ninas e Carminhas por aí.
Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, diz que, “por mais estranhos e pitorescos que sejam os personagens das novelas, eles são condensações da experiência humana. Sim, existem muitas Ninas, Carminhas, Maxs e Tufões, e eles representam ou ilustram a complexidade da existência humana, que, largada à própria sorte, busca desenvolver uma vida com sentido e propósito, mas nunca é um caminho linear e sem tropeços. Por isso mesmo que assistir novelas ou ler inunda a nossa mente de possibilidades de ação e de reação.”
Vingança
Assim como em “Avenida Brasil”, a vingança tem fundamentos emocionais e pode ser alimentada desde muito cedo. Miguel Perosa, psicoterapeuta e professor da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, afirma que a vingança é filha da injustiça. “Só quem se sente injustiçado quer vingança. Mas não todos. Há quem sinta raiva diante de uma injustiça e esses não se vingam. Há quem sinta mágoa e esses sim se vingam. A pessoa vingativa fica muito parecida nos seus atos e sentimentos com aquela que lhe fez mal. Este é exatamente o comportamento da personagem Nina da novela.”
Em muitas partes, Nina deixou de lado a própria felicidade ou seu grande amor, Jorginho, para colocar em prática o plano de vingança. Neves Neto afirma que, assim como ela, qualquer plano pessoal que potencialize a expressão dos sentimentos negativos e destrutivos humanos está fadado a levar a pessoa que o sente a uma espiral descendente de problemas e negativismos.
Segundo Perosa, pessoas como Nina deixam-se invadir pelos piores sentimentos em prol da vingança. “Abandona qualquer sonho construtivo e passa a viver seu projeto de destruição do outro. Esse outro é apresentado na novela como demoníaco, como aquele que busca a satisfação dos seus instintos mais básicos (poder ou prazer) a qualquer preço. Uma pessoa que passa ao largo das questões morais, dos valores. Essa é a característica do psicopata, daquele que não tem valores nem culpa, apenas desejos.”
Também existe explicação psicológica para atos como os de Carminha. A raiva cega é uma delas. “Hoje, a neurociência é capaz de explicar porque uma emoção intensa criada no sistema límbico do cérebro pode desligar áreas cerebrais responsáveis pelo autocontrole e pelo pensamento racional. Algumas pessoas têm menos autocontrole, porque faltaram modelos na vida ou podem ser portadores de doenças psiquiátricas que reduzem a capacidade de ter autocontrole”, afirma Neves Neto.
Traição
Na novela de João Emanuel Carneiro, o personagem Tufão foi traído diversas vezes e nunca descobriu. E isso é muito comum, segundo o psicólogo. “Por amor, dependência ou comodismo, nossa mente pode negligenciar ou distorcer as informações que recebemos, criando realidades convenientes ao roteiro escrito em nossas mentes. É comum conhecermos pessoas que repetem os mesmos erros uma porção de vezes na vida”.
Pessoas como Tufão vivem num mundo de boas intenções, segundo Perosa. “Não vivem a realidade. A tudo e em tudo, eles veem desculpas e boas intenções. Enclausuram-se nesse mundo porque podem. Porque têm dinheiro suficiente para não enfrentar a realidade. É comum encontrarmos no noticiário artistas que ganham muito dinheiro e passam a viver num mundo cor-de-rosa. A personagem Carminha existe no mundo, mas de forma mais atenuada, assim como a Nina. O Tufão existe, sim”, afirma Perosa.
Felicidade
Neves Neto afirma que, assim como na ficção, as pessoas reais podem ter um final feliz. “O final feliz é a eterna busca humana. De onde viemos, o que somos e para onde vamos são algumas das inquietações humanas básicas. A psicologia vem estudando o que pode dar certo ou errado nas escolhas que fazemos ao longo da vida. Cada um é o principal responsável por criar as condições necessárias para que a felicidade possa existir.”
“Avenida Brasil” chama tanta atenção porque seu drama é realista. É fácil encontrar em casa, no trabalho ou na faculdade um pouco de cada personagem da novela. A teledramaturgia, assim, se torna uma lente de aumento para explicitar comportamentos e padrões da sociedade. Segundo a psicologia, a identificação do público com o folhetim se deve ao fato de que, em menor ou maior grau, existem muitas Ninas e Carminhas por aí.
Armando Ribeiro das Neves Neto, psicólogo do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, diz que, “por mais estranhos e pitorescos que sejam os personagens das novelas, eles são condensações da experiência humana. Sim, existem muitas Ninas, Carminhas, Maxs e Tufões, e eles representam ou ilustram a complexidade da existência humana, que, largada à própria sorte, busca desenvolver uma vida com sentido e propósito, mas nunca é um caminho linear e sem tropeços. Por isso mesmo que assistir novelas ou ler inunda a nossa mente de possibilidades de ação e de reação.”
Vingança
Assim como em “Avenida Brasil”, a vingança tem fundamentos emocionais e pode ser alimentada desde muito cedo. Miguel Perosa, psicoterapeuta e professor da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, afirma que a vingança é filha da injustiça. “Só quem se sente injustiçado quer vingança. Mas não todos. Há quem sinta raiva diante de uma injustiça e esses não se vingam. Há quem sinta mágoa e esses sim se vingam. A pessoa vingativa fica muito parecida nos seus atos e sentimentos com aquela que lhe fez mal. Este é exatamente o comportamento da personagem Nina da novela.”
Em muitas partes, Nina deixou de lado a própria felicidade ou seu grande amor, Jorginho, para colocar em prática o plano de vingança. Neves Neto afirma que, assim como ela, qualquer plano pessoal que potencialize a expressão dos sentimentos negativos e destrutivos humanos está fadado a levar a pessoa que o sente a uma espiral descendente de problemas e negativismos.
Segundo Perosa, pessoas como Nina deixam-se invadir pelos piores sentimentos em prol da vingança. “Abandona qualquer sonho construtivo e passa a viver seu projeto de destruição do outro. Esse outro é apresentado na novela como demoníaco, como aquele que busca a satisfação dos seus instintos mais básicos (poder ou prazer) a qualquer preço. Uma pessoa que passa ao largo das questões morais, dos valores. Essa é a característica do psicopata, daquele que não tem valores nem culpa, apenas desejos.”
Também existe explicação psicológica para atos como os de Carminha. A raiva cega é uma delas. “Hoje, a neurociência é capaz de explicar porque uma emoção intensa criada no sistema límbico do cérebro pode desligar áreas cerebrais responsáveis pelo autocontrole e pelo pensamento racional. Algumas pessoas têm menos autocontrole, porque faltaram modelos na vida ou podem ser portadores de doenças psiquiátricas que reduzem a capacidade de ter autocontrole”, afirma Neves Neto.
Traição
Na novela de João Emanuel Carneiro, o personagem Tufão foi traído diversas vezes e nunca descobriu. E isso é muito comum, segundo o psicólogo. “Por amor, dependência ou comodismo, nossa mente pode negligenciar ou distorcer as informações que recebemos, criando realidades convenientes ao roteiro escrito em nossas mentes. É comum conhecermos pessoas que repetem os mesmos erros uma porção de vezes na vida”.
Pessoas como Tufão vivem num mundo de boas intenções, segundo Perosa. “Não vivem a realidade. A tudo e em tudo, eles veem desculpas e boas intenções. Enclausuram-se nesse mundo porque podem. Porque têm dinheiro suficiente para não enfrentar a realidade. É comum encontrarmos no noticiário artistas que ganham muito dinheiro e passam a viver num mundo cor-de-rosa. A personagem Carminha existe no mundo, mas de forma mais atenuada, assim como a Nina. O Tufão existe, sim”, afirma Perosa.
Felicidade
Neves Neto afirma que, assim como na ficção, as pessoas reais podem ter um final feliz. “O final feliz é a eterna busca humana. De onde viemos, o que somos e para onde vamos são algumas das inquietações humanas básicas. A psicologia vem estudando o que pode dar certo ou errado nas escolhas que fazemos ao longo da vida. Cada um é o principal responsável por criar as condições necessárias para que a felicidade possa existir.”
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