O psicólogo Armando Ribeiro, especialista em gestão do estresse, fala sobre o impacto do problema na vida pessoal e dentro das organizações
O psicólogo Armando Ribeiro ficou um tanto confuso quando começou a conviver com administradores e o mundo corporativo. Sua preocupação número um, como a de qualquer médico, era melhorar a saúde de seus pacientes. Mas, para convencer as empresas da importância de promover o bem-estar dos funcionários, precisou reunir números e provar que colaboradores saudáveis davam resultados melhores.
Ribeiro coordena o Programa de Avaliação do Estresse do Centro Avançado em Saúde da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Além de atender pacientes, ele também dá consultoria e participa de eventos em empresas para "pregar" a importância da saúde física e mental.
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, ele fala sobre como o estresse afeta nossa vida pessoal e os ambientes corporativos e ainda faz um alerta para os gestores: uma das maiores causas de estresse no trabalho é o chefe.
O que é o estresse?
Há uma banalização desse termo. Cansaço não é estresse, chateação não é estresse, brigar com a namorada não é estresse. Se eu pudesse simplificar, chamaria de ameaça ou tensão. Tudo o que nos causa estresse é uma ameaça - real ou imaginária. Ou seja, viver o problema ou imaginar o problema faz com que seu corpo entenda que a ameaça está aqui, agora. Nossa resposta fisiológica não consegue diferenciar a possibilidade da realidade.
O estresse é sempre algo prejudicial?
A gente pensa no estresse como algo ruim, mas não é necessariamente. O estresse inicial a gente chama de fase de alerta. Você se concentra em algo preocupante, ou um prato cai na mesa ao lado, e há uma descarga de adrenalina. Você avalia a situação e se adapta. Em um dia normal, a gente entra e sai dezenas de vezes desse estado. Trânsito, calor e dor de barriga levam ao estresse de alerta. Uma vez que a situação foi resolvida, ele vai embora. A gente não tem que temer esse tipo de estresse - muitas vezes ele é benéfico. Ajuda a pensar rápido, decidir mais rápido. O preocupante é quando esse estresse se transforma em crônico. Ou seja, todos os dias, independente dos estímulos externos, você percebe o mundo de forma perigosa e ameaçadora. É isso que realmente estraga nossa saúde.
E como ocorre essa evolução?
Vamos dizer que uma há uma preocupação contínua. Ela começa a durar dias ou semanas. É a fase do estresse de resistência. Você começa a ter primeiros sintomas fisicos. Azia depois do almoço, crises de diarreia, acne depois da adolescência… Seus hormônios estão desequilibrados. Se você não resolve a questão, passa por uma fase chamada de estresse quase-exaustão, quando geralmente você começa a adoecer de fato. Nesse momento, as pessoas marcam uma consulta com um gastro ou um dermatologista. A última fase é a exaustão, na qual você tem doenças que geralmente te impedem de continuar trabalhando ou estudando. Depressão, AVC, infarto. Doenças que geralmente acarretam consequências de dificil tratamento. Temos um problema, porque os médicos não são treinados para olhar o estresse. Eles são treinados para olhar a doença. Deveria ser obrigatório contextualizar as queixas dos pacientes com o resto de suas vidas.
Quais outros efeitos o estresse pode causar?
Somos dotados de mecanismos de sobrevivência muito inteligentes. Quando o corpo se percebe ameaçado, há uma necessidade de adquirir e conservar energia. Por isso que os piores alimentos, como frituras e açúcares refinados, são os que a gente tem mais tem vontade de comer. É algo biológico. A célula está sob ameaça e não quer alface. É uma bola de neve. Você fica estressado, come mal, evita atividade física e fica aprisionado no problema. Na última década, foram feitas muitas pesquisas relacionadas ao estresse e à neurociência. As conclusões mais recentes é que ele muda nossa capacidade de enxergar as coisas com clareza. Quanto mais hormônios do estresse você produziu ou está produzindo, mais prejudicada fica sua capacidade de tomar decisões de forma racional e clara. São decisões mais impulsivas: compra, vende, demite, contrata. Isso sem sombra de dúvida acarreta perdas e prejuízos para as organizações.
Quer dizer: o bem estar não pode ser só da porta para fora?As empresas deveriam se preocupar mais com esse assunto?
Há pesquisas que mostram que as empresas poderiam economizar se investissem em promoção de saúde. Convencê-las disso é uma dificuldade, porque elas querem economizar dinheiro a todo custo, mesmo quando a médio prazo essa economia representa grandes perdas. É o caso de profissionais altamente especializados que adoecem e são obrigados a se afastar do trabalho. Outra coisa muito comum nos dias atuais é o presenteísmo. É um estresse que não te deixa doente a ponto de estar afastado, mas acaba com a produtividade. A pessoa bate cartão todo dia, mas está fatigada. As empresas mal tomam consciência disso. Elas até sabem, mas é um tipo de assunto que fica relegado ao RH. A gente vem de um posicionamento arcaico de administração que é o seguinte: você vai para o trabalho, se mata, transpira, pega o seu salário e a qualidade de vida você vai procurar ter na sua casa. Porém, cada vez mais a gente não separa a casa do trabalho. Tablet e celular são ótimas ferramentas, mas atrapalham nesse sentido.
Quer dizer: o bem estar não pode ser só da porta para fora?
A felicidade da porta para dentro é lucro. Essa é a linguagem que eu aprendi que funciona - lucro (risos).
Você aprendeu isso quando deu aula no Insper?
O meu ideal é ter todo mundo saudável. No mundo dos negócios, eu me deparei com perguntas como “quanto custa ter todo mundo saudável e quanto isso representa nas minhas metas?” Tomei um susto. Para mim, saúde não tem preço. Mas no mundo corporativo tudo tem preço. Aí eu fui buscar esses dados. Existe, por exemplo, um estudo de ROI (retorno sobre investimento) no qual se descobriu que cada dólar investido em programa de bem estar tem um ROI de 6 a 12 dólares. Eu tive que descobrir essa linguagem para me ouvirem.
Qual o papel das empresas no gerenciamento do estresse?
Existem empresas, ambientes organizacionais, que são fábricas tóxicas de estresse. Isso pode ser tanto a característica do próprio negócio - trabalhar numa usina nuclear não deve ser fácil -, mas principalmente é pelo perfil das lideranças. Um dos grandes responsáveis pelo estresse no trabalho é o chefe. São as pessoas que têm poder e criam ambientes competitivos, conflituosos, de muita pressão, de muita exigência, de pouca validação do outro, de pouco feedback positivo. Os líderes precisam colocar em suas agendas a criação de um ambiente saudável. Funcionário saudável rende mais. Há uma necessidade de mudar a visão de que os colaboradores são apenas meio. Eles são parte do negócio. A ideia da valorização das pessoas é o que nos falta hoje.
Geralmente as pessoas associam estresse no trabalho ao excesso de obrigações. É sempre isso?
Existe um modelo de dois pesquisadores que compara nível de estresse com desempenho. O estresse inicial é bem-vindo até um determinado ponto. Funciona como um gráfico em forma de U invertido. Quando o nível de estresse é muito baixo ele leva à baixa performance. É o que os americanos chamam de “boreout”. São trabalhos onde o grau de comprometimento é zero. Servidores públicos, por exemplo. A falta de um estresse motivador que te leva a querer estudar mais e a se desenvolver também adoece. O outro extremo do gráfico é o “burnout”, mais conhecido, quando as exigências estão acima da sua capacidade de gerenciá-las. O nosso sonho é ajudar as pessoas a descobrirem seu ponto de equilíbrio.
A França proibiu no ano passado que funcionários fossem obrigados a ler email depois das 18h. É um exemplo radical, mas a gente deveria se forçar a se desligar dessa tecnologia?
As pesquisas sobre tecnologia são muito recentes. A gente não conhece ainda o efeito disso sobre nosso cérebro. O que se percebe é que essas ferramentas prometiam trazer uma economia de tempo, mas descobrimos que não é bem assim. Temos a cada ano trabalhado mais horas. A promessa da tecnologia que ia nos deixar mais livres vem nos escravizando. Existe um termo - tecnoestresse - que caracteriza a descarga de adrenalina e cortisona por causa dessa mudança contínua de aplicativos, programas e tecnologias. Definitivamente, já existem os primeiros casos de profissionais que vêm adoeçendo por causa do uso nocivo da tecnologia. Há quem se torne viciado no sinal da internet. Eles precisam estar conectados o tempo todo. Para eles, nenhuma informação é lixo eletrônico. Outra coisa que a gente sabe é que as pessoas têm dormido menos. Elas levam essas parafernalhas para a cama. Já foi comprovado que a luz azul das telas é fonte de inibição do sono. E estresse e sono são dois lados de uma mesma moeda. Sabemos hoje que o sono regular de boa qualidade é suficiente para recuperar seu organismo do estresse sofrido.
E comparado a três ou duas gerações anteriores, as pessoas estão mais estressadas?O estresse é uma doença do mundo moderno? Ou o homem das cavernas também era estressado?
O que sobrou dos homens das cavernas são registros como hábitos alimentares. O que a gente supõe é que grande parte do estresse deles era do tipo agudo. Os indivíduos que viviam estresse crônico era muito mais por causas reais: períodos de fome, escassez de alimento. Hoje, a gente pode estar com uma represa acabando, mas se você tiver dinheiro, compra uma garrafa de água. O nosso mundo foi organizado de uma forma tão simbólica e abstrata que você pode pagar pra viver bem sem faltas. Só que a gente não consegue pagar a paz da consciência e dormir tranquilo. Diferente dos nossos antepassados, hoje o que realmente incomoda é a questão de convivência em sociedades inchadas, megalópoles violentas. Você sofre muito mais por causas abstratas, que não são menos importantes.
Está piorando. Por exemplo, no tempo dos nossos avós havia a ideia de passar a vida inteira dentro de uma mesma empresa. Eles entravam na companhia e ficavam até se aposentar. Nossa realidade é outra. Você se forma em jornalismo hoje e amanhã abre uma empresa de cupcake e vira empreendedora. O fato de você ter estudado jornalismo não significa nada. As possibilidades são inúmeras e os desafios também. Cada vez mais as nossas sociedades têm essa indefinição. Você pode fazer tudo. E fazer tudo é igual a ter um cardápio que possui três opções e um que tem 300. Você trava. O excesso de opções é uma fonte de estresse. É uma era de indefinições. Tive aula com Daniel Goleman (psicólogo, autor de Inteligência Emocional). Ele diz que temos uma sociedade sem foco. Quando a gente não tem foco, se estressa mais. Não funcionamos como um computador. Não somos multitarefa. A mente humana só é precisa se ela lida com um problema por vez. Quando você abre várias janelas da sua mente, perde o foco.
Como enfrentar o estresse?
A bola da vez é uma técnica chamada mindfulness, chamada no Brasil de atenção plena. É uma série de exercícos práticos que consultores levam às organizações para que as pessoas cultivem o momento presente. A pressão por bater metas e o ambiente extremamente competitivo e globalizado faz com que a gente perca o momento presente. Você está na sua mesa e você não sabe de fato se está lá, se está pensando no passado ou no próximo trimestre. No Brasil, no entanto, essa técnica ainda não é muito usada.
E quais técnicas podemos usar no cotidiano para diminuir nosso nível de estresse?
O tripé alimentação, atividade física e lazer continua sendo importante. O sono também é fundamental. Mas estamos em um momento em que isso é o arroz com feijão. A “mistura” seria desenvolver um trabalho com significado. É uma coisa que falta muito no nosso tempo e é uma questão cara aos jovens. Todas essas gerações Y, Z, tendem a buscar trabalhos com significado pessoal. Ganhar dinheiro é importante, mas elas querem ser reconhecidas, valorizadas e ter orgulho do que fazem. Isso não é arroz e feijão.
As empresas podem ajudar de alguma forma?
Cultivar relações no trabalho, ter momentos de lazer, aproximar a família do ambiente corporativo. São projetos que existem por aí de aumento de bem estar e de felicidade e que trazem retorno altíssimo. Os funcionários querem ouvir o que eles podem fazer para ser mais felizes. A empresa pode ajudar o funcionário a se desenvolver como pessoa e não só como colaborador. Existem também cada vez mais pesquisas mostrando que a diminuição do estresse começa pela construção do seu escritório. A arquitetura do prédio, trazer lembranças da família, um vaso, ter janelas para o exterior. A gente saiu da savana, mas a savana não saiu da gente. Aquele cantinho do café às vezes é onde as conversas mais importantes acontecem. Por que não pode ser um lugar acolhedor?
Isso tudo que você está dizendo, de novo, tem a ver com acabar com aquela ideia de que trabalho é trabalho e a vida é só lá fora?
A vida é uma só. Se você morrer no trabalho, não vai viver sua vida pessoal. A gente deveria buscar esse sentimento de plenitude de preenchimento no trabalho, em casa, com os amigos, em viagens. Tenho muitas histórias de pessoas que esperam o ano todo para sair de férias. Elas estão deixando para viver só nos 30 dias de férias. E os 11 outros meses do ano?
Mas tirar férias é importante, não?
É importante, mas não resolve estresse crônico. Afastamento do trabalho por causa de estresse não resolve. Porque o problema está no trabalho. No dia em que você voltar, o comichão volta junto. A ideia de períodos de ruptura da rotina é importante, porque a rotina envelhece nosso corpo. O ideal é que seu trabalho também seja fonte de prazer. O dinheiro vem e vai, o prazer é pleno. Claro que você precisa de dinheiro. Mas a satisfação com o trabalho não tem preço. Isso é muito mais simples de se trabalhar do que os gestores pensam. Mas eles não pensam nisso. Satisfação no trabalho tem que ser preocupação da liderança. A liderança que quer bater metas, que quer atingir seus objetivos, tem que dar em contrapartida facilitadores para o bem viver. E é isso que a gente não vê acontecendo. Eu tiro teu sangue e acredito que pagar um salário é suficiente. A gente está vivendo uma mediocridade nesse sentido.
Fonte: Época Negócios
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