quinta-feira, outubro 22, 2015

Licença-maternidade: como funciona no Brasil e em outros países

Empresas ao redor do mundo estão ampliando o tempo de afastamento dos funcionários para cuidarem dos filhos recém-nascidos. Entenda por que e veja qual é a situação do Brasil em comparação a outros países


Acompanhar de perto o desenvolvimento do filho durante o primeiro ano de vida é o sonho de muitos pais e mães que trabalham, mas poucos têm a chance de realizá-lo. Depois do nascimento do bebê, dispara a contagem regressiva das licenças-maternidade e paternidade.

No entanto, para alguns felizardos, esse cronômetro vai demorar mais a zerar: quatro grandes empresas anunciaram recentemente a ampliação do período de afastamento remunerado. Isso pode abrir precedentes para que outras gigantes (ou nem tanto) sigam o mesmo caminho.

“O exemplo é importante, ainda que uma empresa inovadora busque eventualmente tirar partido no marketing, mostrando que cuida das pessoas ou que se preocupa com os funcionários”, atesta a socióloga Maria Coleta de Oliveira, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos da População, da Unicamp.

Virgin Management, de origem britânica, saiu na frente ao contemplar seus profissionais com um ano inteiro de licença após nascimento ou adoção – remunerada de acordo com o tempo de casa. A política vale para mulheres e homens dos escritórios em Londres (Reino Unido) e Genebra (Suíça). “Como pai e avô de três netos maravilhosos, sei que é mágico o primeiro ano da criança, mas também sei que dá trabalho. É absolutamente vital poder passar o maior tempo possível com elas, especialmente no início de suas vidas”, afirmou em nota o fundador, Richard Branson.

Já a americana Netflix anunciou que, a partir de agora, seus funcionários em todo o mundo poderão tirar licença com remuneração integral pelo tempo que julgarem necessário durante o 1° ano da criança. “Queremos que eles tenham flexibilidade e confiança para equilibrar as necessidades de suas famílias sem precisar se preocupar com as finanças. Cada um definirá o que é melhor”, escreveu a chefe de talentos Tawni Cranz, em comunicado oficial.

Segundo ela, as pessoas apresentam melhor desempenho no trabalho quando não estão preocupadas com os assuntos da casa. “A nova política permite que elas tenham suporte durante essa fase de mudança em suas vidas e retornem mais focadas e dedicadas.”
sentimento de mãe  (Foto: Ed. Globo)

A Adobe, empresa norte-americana de softwares, também tem novidades: a partir de novembro, serão 26 semanas de afastamento para as mães (o equivalente a seis meses e meio) e 16 semanas para os pais. Outra boa notícia é que os empregados agora podem tirar até quatro semanas remuneradas para cuidar de um familiar que adoeça. “Nossos funcionários são a nossa propriedade intelectual e o nosso futuro. O investimento, sem dúvida, vale a pena”, escreveu a vice-presidente de pessoal e instalações, Donna Morris.

Outra gigante da tecnologia, a Microsoft, também alterou sua política de benefícios para os funcionários americanos: homens terão 12 semanas e mulheres contarão com 20 semanas (cinco meses), com pagamento integral. Já é um avanço, considerando que os Estados Unidos são o único país desenvolvido onde o afastamento remunerado não é lei – as mães só têm direito a 12 semanas não remuneradas, e os pais, nem um dia.
A licença-maternidade no Brasil
Por aqui, com a chegada de um novo bebê, a maioria das famílias se depara com a seguinte situação: o pai pode tirar cinco dias e a mãe, 120 (quatro meses) para cuidar dorecém-nascido – direitos que chegaram com a Constituição de 1988. Em comparação com outros países, não estamos mal. Um relatório divulgado no ano passado pela Organização Internacional do Trabalho (OTI) revela que, dos 185 países estudados, apenas 57 concedem às mulheres o direto à licença de pelo menos 14 semanas, conforme a instituição aconselha.

Muitas mães ainda não têm acesso sequer a isso: 830 milhões de trabalhadoras de todo o mundo não têm direitos assegurados quando o assunto é maternidade. “Diante da legislação de outros países da América Latina e mesmo da Europa, a lei brasileira não está ultrapassada. Se comparamos, porém, com a maioria dos países da Escandinávia (como Dinamarca e Suécia), temos muito a evoluir”, afirma a socióloga Maria Coleta. “Penso que inadequada é a postura dos poderes públicos, que não oferecem instituições de cuidado infantil na quantidade e qualidade desejável para as mães trabalharem seguras de que seus filhos estão bem assistidos”, diz.

Há ainda uma contradição. Como lidar com o fato de que a mulher é incentivada a alimentar a criança exclusivamente no peito até o 6° mês de vida, seguindo a recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas só tem garantidos quatro meses de licença por lei? Desde 2010, algumas empresas vêm aderindo ao Programa Empresa Cidadã, que estende a licença até o 6° mês. Porém, ainda são poucas – cerca de 17 mil dos milhões de corporações brasileiras, segundo a Receita Federal.
mudanças a caminho (Foto: Ed. Globo)

“Se a mulher realmente precisa voltar a trabalhar antes dos seis meses, não deve haver muito estresse. É necessário encontrar um equilíbrio para conciliar a carreira com aamamentação da criança. Nesse cenário, o ideal é que ela consiga tirar e armazenar o leite durante o trabalho para oferecer depois ao filho”, orienta o pediatra Eduardo Gubert, do Hospital Pequeno Príncipe (PR).

Para essas mães que só têm quatro meses de licença, vale lembrar alguns direitos que nem todos conhecem. “Os estabelecimentos em que pelo menos 30 mulheres trabalham devem ter local apropriado para deixar seus filhos sob vigilância assistência, até a criança completar 6 meses. Nos casos em que a empresa não pode manter berçário em suas instalações, ela deve estabelecer convênios com creches ou arcar com as despesas, o denominado auxílio-creche”, esclarecemos advogados Anna Thereza Monteiro de Barros e Lucas Camargo, da área trabalhista da Pinheiro Neto Advogados (SP).

A legislação também garante à mulher dois intervalos de 30 minutos durante a jornada de trabalho para amamentação ou retirada de leite, até o 6° mês de vida da criança.
Boas práticas
Em tempos de debate sobre igualdade de gêneros e a importância da presença masculina na criação dos filhos, a maioria dos homens que trabalha fora não consegue estar presente o tempo todo mais que nos cinco primeiros dias de vida do bebê. “Há pouco incentivo ao envolvimento paterno, mas penso que, muitíssimo devagar, vamos introduzindo mudanças. Por meio de pesquisas em São Paulo, verifiquei que os pais das gerações mais jovens e de camadas sociais com nível de instrução mais elevado aparentam ter maior disponibilidade para cuidar das crianças”, diz a socióloga.
André Zanatta  (Foto: Guilherme Zauith/Ed. Globo)
Uma das poucas empresas que extrapolam os cinco dias previstos em lei e concedem um mês para os novos pais é o Google. “Passar quatro semanas inteiras em casa me ajudou a conhecer melhor a minha filha, a dividir mais tarefas com minha mulher e a aproveitar melhor essa fase tão especial e única. Acordei em quase todas as mamadas de madrugada e estive por perto durante as cólicas. Esse tempo permite que o casal fique mais unido e se adapte à nova realidade. É um excelente benefício”, conta o advogado corporativo André Zanatta, 32 anos, pai de Marcela, 1 mês.
Na Monsanto do Brasil, as mães têm direito a seis meses de licença-maternidade, sala para tirar e armazenar leite, horários flexíveis e auxílio-creche ou babá por 24 meses no valor de R$ 1.182 mensais. Quando o homem ou a mulher anuncia a chegada de um novo bebê, a empresa também presenteia o funcionário com uma cadeirinha de automóvel, um kit de amamentação com bombinha para retirada de leite e uma cesta com itens de primeiros cuidados e roupas.

Entre as multinacionais, ela ocupa o 10° lugar na lista As Melhores Empresas para Trabalhar na América Latina 2014/2015. “De modo geral, os benefícios são bem-vistos por todos os funcionários, principalmente pelas novas mães. Elas comentam sobre o sentimento de acolhimento. Acreditamos que isso é fundamental para o processo de atração e retenção de pessoas”, afirma a gerente de remuneração e benefícios, Claudia Barbosa.
Glória Ferreira (Foto: Guilherme Zauith/Ed. Globo)
Glória Ferreira, 36, supervisora de comunicação na empresa, lembra bem como essa política facilitou sua vida coma chegada de seu primeiro filho, Lorenzo, hoje com 1 ano e 9 meses. “É uma mudança muito grande a mulher precisar voltar a trabalhar tendo um bebê, que exige cuidados e necessita de rotina. A flexibilidade me ajudou a estar disponível. Eu tinha tranquilidade e certeza de que, caso precisasse sair no meio do dia, não iriam me olhar mal. Nossa cultura é de entrega de resultados, e isso não está atrelado a ficar 10 horas sentada no escritório”, conta ela, que hoje entra às 8h e sai entre 17h e 17h30. Sobra tempo para buscar o filho na escola e fazer aula de natação com ele.
Nacional
Uma das empresas nacionais que se destacam pelo respeito às mães é o Grupo Boticário. Em 2011, sua sede fabril em São José dos Pinhais (PR) foi a primeira a receber o prêmio “Mulher Trabalhadora que Amamenta”, concedido pelo Ministério da Saúde para as companhias que adotam três medidas: licença de seis meses, apoio à amamentação e creche no local de trabalho ou auxílio-creche.

No Grupo Boticário também são oferecidos cursos, palestras e aulas práticas com especialistas que instruem a mulher sobre as diversas situações pelas quais ela e o bebê vão passar, além de visita de enfermeira em casa após o parto, para orientar no que for preciso.
“O objetivo é garantir que a mulher tenha segurança e estabilidade emocional. Nós buscamos sempre encontrar alternativas para tratar o tema com a finalidade de atender aos anseios da mãe, ao bem-estar da criança e, ao mesmo tempo, às necessidades do negócio”, explica Luiz Antônio Setti Barbosa, coordenador de medicina e qualidade de vida do Grupo Boticário.
Com tempo
Só o fato de ter a licença de seis meses já é um alento para as mães, preocupadas em deixar um bebê tão dependente longe de seus cuidados. E com razão, segundo um estudo da Universidade de Minnesota (EUA) que entrevistou 575 mães durante um ano, desde o nascimento da criança. Quanto maior a licença-maternidade, menos riscos a mulher corre de apresentar sintomas de depressão pós-parto. A pesquisa revelou que a saúde física também se beneficia, pois a mulher tem mais tempo para descansar e se recuperar.

Nas Universidades de Toronto e British Columbia (ambas do Canadá), uma revisão de estudos mostrou o impacto positivo da licença de 6 a 12 meses na criança. Os pesquisadores consideram que esse período de convivência com os pais é importante para marcos de desenvolvimento como o início da fala e da alimentação sólida.
Ranking melhores países para ser mãe no mundo (Foto: Infográfico: Amanda Filippi )
O primeiro ano de vida é mesmo cheio de surpresas e mudanças. É a partir do 3° mês que o vínculo do filho com os pais se fortalece, porque o bebê passa a ter mais contato visual e reconhece os genitores pelo cheiro e pela voz.

“Por volta do 6° mês, a criança senta sozinha, e é quando tem início a introdução alimentar. Depois vêm os primeiros dentes, os primeiros sons, os primeiros passos. São momentos que ninguém esquece. É uma fase fantástica”, afirma o pediatra Gubert.

Sorte de quem pode estar por perto para presenciar tudo isso. O fundador da Virgin não tem dúvidas desses benefícios e garante que os empregadores também saem ganhando. “Saúde e bem-estar devem ocupar uma posição de destaque em toda empresa. Quanto mais você der apoio à sua equipe, mais feliz e saudável será o seu negócio.”
licença no mundo (Foto: Infográfico: Amanda Filippi )
Fonte: Crescer

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