Especialista afirma ser comum que companheiros ou pessoas da família responsabilizem mães por fetos com malformações. Mães que foram picadas pelo Aedes aegypti e infectadas pelo zika
tiveram bebês microcéfalos.
Além do drama e das dificuldades que a mulher infectada pelo zika
vírus tem de enfrentar na criação de uma criança com microcefalia, a situação
se complica ainda mais devido aos preconceitos nutridos por ela própria e
pelas pessoas de seu entorno, de acordo com especialistas ouvidos
pelo iG. Casos de maridos que abandonam suas companheiras se tornaram
comuns, já que eles não sabem como lidar com a situação – e a própria
sociedade acaba por culpar essas mães pela infecção pelo zika vírus,
responsável pelo boom de casos de microcefalia no País nos últimos meses.
“É uma situação muito difícil, pois um filho envolve uma série de
expectativas e, qualquer que seja a deficiência, vai gerar uma frustração muito
grande, que os pais precisarão lidar e gerenciar da melhor forma possível”,
explica a psicoterapeuta Andreia Calçada. O Ministério da Saúde já confirmou um
total de 4.783 casos suspeitos de microcefalia em território nacional – 1.447
somente em Pernambuco –, a maioria com ligação com o zika.
Psicólogo e coordenador do Programa de Avaliação do Estresse do Centro
Avançado em Saúde da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Armando Ribeiro
afirma que o Conselho Regional de Psicologia já notificou seus membros para,
sempre que possível, iniciar o mais rapidamente o tratamento psicoterápico em
gestantes com suspeita de bebês com microcefalia.
“As mulheres estão passando por um período de muita angústia quando
desconfiam que podem ter sido infectadas pelo zika vírus. Angústia, depressão e
quadros de ansiedade são comuns”, enumera.
“Além disso, apesar de a mulher não ter culpa de ter sido picada pelo
mosquito, é quase que instintivo entre as mães se culparem ou serem apontadas
como responsáveis por qualquer deformidade pelos seus parceiros. Temos de
lembrar que nossa sociedade ainda é machista e, muitas vezes, despreza e
desvaloriza o papel da mulher. Existem vários problemas de saúde que não se
previnem e nem há meios de garantir que não vão acontecer.”
“Esquecer [o repelente] não é exclusivo da mulher, é humano!”
Ribeiro lembra que, de fato, se a mulher deixar de aplicar repelente
em alguma área do corpo, ela poderá ser picada e, consequentemente, infectada.
Mas ressalta que isso não pode ser motivo para culpá-la pela doença, já
que "esquecer não é exclusivo da mulher, é humano!”
“Infelizmente, ainda existe na nossa sociedade uma cobrança maior
sobre esta mulher que concebe. É uma visão mais machista, mais
autoritária. Até mesmo em casos de infertilidade, é comum os homens acusarem as
mulheres. É duro para os homens assumirem que são eles que podem ter a dificuldade",
aponta.
“É comum acontecerem divórcios, separação, distanciamento do pai por
não saber lidar com a criança com malformação, e as mães se veem abandonadas e
culpadas por uma coisa que elas não têm controle nenhum."
O acompanhamento psicológico, portanto, é essencial para ajudá-las a
lidar com a nova perspectiva. E, de preferência, deve ser feito também com o
companheiro, pois, assim, ele aprenderá a aceitar o novo cenário e a apoiar a
mulher, possibilitando a redução os casos de abandono em momentos críticos.
Mosquito Aedes aegypti é responsável pela transmissão do zika vírus,
dengue e chikungunya.
Rejeição ou superproteção
O especialista em gerenciamento do estresse conta que há casos em que
a mãe, pelo abalo psicológico, acaba ela própria rejeitando a criança ou não a
amamentando, e cita ainda outros que podem ser tão nocivos quanto, de
superproteção, por inibirem o desenvolvimento da criança.
“A psicoterapia é fundamental, pois a microcefalia é uma condição de
saúde que não tem cura e envolve outras síndromes, como diminuição da audição,
da visão e outras dificuldades”, explica o psicólogo. “É preciso planejar uma
vida em que dificuldades estarão presentes."
A psicoterapeuta Andreia Calçada ressalta ser importante que os pais
tenham essa aceitação para poderem apoiar um ao outro: “Precisamos
fazer um estímulo cognitivo, para Andreia explica que a psicoterapia pode ser individual ou familiar e,
dependendo do caso, é possível que a pessoa compareça às sessões apenas
uma vez por semana. Em casos de mães com depressão ou histórico de outros
problemas, no entanto, pode ser necessário aumentar a periodicidade e
alongar o tempo do tratamento.
Ribeiro comenta que a terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem
eficaz. “A essência da terapia é responder aos nossos erros cognitivos ou
distorções de pensamento. Não é a malformação que faz a pessoa sofrer angústia
ou depressão, mas a interpretação negativa e viciosa que acontece na
mente", explica.
“O ser humano tem tendência a não deixar imagens em branco na mente,
então, quando não temos uma informação completa, a mente cria cenários muito
negativos para tentar se precaver, e isso vai levar a um nível de estresse
crônico que afeta a vida."
Fonte: Último Segundo IG
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