A doença existe. A notícia positiva é que é possível evitar que o transtorno se manifeste.Apontada como o mal do século pela Organização Mundial da Saúde, a depressão ainda é um desafio para médicos e pacientes, é considerada uma das principais causas de incapacitação e atinge pessoas de qualquer idade, inclusive crianças e jovens. Apesar de ser bem mais comum em adultos, estudos revelam cada vez mais o aumento de números em pessoas entre 9 e 16 anos com o transtorno psiquiátrico.
O fato é que a depressão é uma enfermidade grave, muitas vezes subestimada e negligenciada pelos pais, e vista como uma frescura das crianças e jovens. Piora no rendimento escolar, falta de interesse por atividades comuns, tristeza sem fim, desânimo, irritabilidade e isolamento são alguns dos sinais da moléstia em crianças e jovens. Neste cenário, o transtorno exige avaliação e tratamento com um profissional urgente.
O psicólogo Armando Ribeiro afirma que a depressão é um transtorno mental que acarreta uma série de importantes sintomas físicos, cognitivos, emocionais, comportamentais e sociais. O especialista explica que o interesse científico pela depressão em crianças e adolescentes é bastante recente. "Até a década de 70 acreditava-se que a depressão nessa faixa etária fosse rara ou até inexistente."
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, são 300 milhões de pessoas afetadas pelo problema no mundo. Cerca de 2% das crianças sofrem de depressão grave, número que aumenta para 10% na adolescência.
Ribeiro explica que a depressão em crianças e jovens é diferente da depressão em adultos. "O humor irritável é mais comum em crianças e adolescentes e muitas vezes a depressão pode se manifestar na forma de queixas físicas repetitivas, como dores e alergias. Em crianças em fase pré-escolar (idade até seis a sete anos), a manifestação clínica mais comum é representada pelos sintomas físicos, tais como dores de cabeça e abdominais, fadiga e tontura."
Quanto aos fatores de risco, o mais importante, segundo o psicólogo Armando Ribeiro, é a presença de depressão em um dos pais. "A existência de história familiar para depressão aumenta o risco em pelo menos três vezes, seguidos por estressores ambientais, como cyberbullying, pressão por altos desempenhos nas atividades escolares, abuso físico e sexual e perda de um dos pais, irmão ou amigo íntimo."
Agenda lotada de compromissos também pode ser apontado como um vilão. O padrão de beleza atual e as exigências por trás dele também tem um papel importante e estimula a doença. Outros gatilhos são separação dos pais, bullying na escola, abandono, preconceito, abusos psicológicos, restrição do contato social, alterações no padrão de vida e até uso excessivo de aparelhos eletrônicos.
Prevenção Assim como existem gatilhos para a depressão, existem também fatores protetores. A psicóloga Adriana Botarelli afirma que a depressão infantil pode surgir por vários motivos, inclusive genéticos, mas as pesquisas apontam que quando os pais não conseguem satisfazer as necessidades básicas dos filhos, como amor, carinho e apoio há uma maior possibilidade dos sintomas persistirem. Portanto, um ambiente familiar que possibilite que estas necessidades sejam satisfeitas já é uma prevenção para não desencadear a depressão.
Adriana Botarelli afirma que um ambiente escolar adequado também é importante, pois é na instituição que as crianças vivenciam grande parte de suas experiências da infância. A prática de exercício físico, contato com a música, animais de estimação, artesanato e a natureza ajudam na prevenção dos sintomas da depressão. "Porém, alguns casos necessitam de ajuda profissional, com um psicólogo e em casos mais graves, com auxilio de medicação prescrita por um médico especialista em psiquiatria infantil."
Estudo ajuda a identificar adolescentes em risco A Unifesp divulgou um estudo que pode ajudar a identificar os jovens em risco para depressão antes mesmo do início dos sintomas. Uma pesquisa feita a partir de exames de ressonância magnética do cérebro de crianças e jovens reconheceu que alterações da conectividade no circuito cerebral de recompensa foram associadas a casos de depressão após três anos de acompanhamento. As alterações foram encontradas em uma região no cérebro responsável por integrar e processar informações cotidianas sobre recompensas e motivação, chamado de estriado ventral, o qual teve um papel significativo nos quadros de depressão antes do início dos sinais.
Aproximadamente 750 crianças e jovens, com idade entre 9 e 16 anos, foram avaliados nas cidades de São Paulo e Porto Alegre. Além de avaliações psicológicas e psiquiátricas, eles realizaram exame de neuroimagem por meio de ressonância magnética, sendo que 90% (675) foram reavaliados três anos depois com a mesma metodologia.
O psiquiatra Pedro Mario Pan afirma que identificar precocemente indivíduos em risco para os transtornos mentais mais comuns é passo inicial para alcançar a prevenção no campo da psiquiatria. Ele explica que a depressão é uma das principais causas de perda de anos de vida pelo prejuízo funcional dentre todas as doenças médicas. "Estimativas apontam que um em cada quatro pessoas apresentaram um episódio depressivo durante a vida. Na adolescência, principalmente, as consequências dos episódios depressivos podem ser devastadoras, como bullying, autoagressão e até suicídio."
Entenda melhor Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, alguns dos sintomas principais da depressão são humor deprimido e/ou irritável, perda do interesse ou prazer, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva, dificuldade de concentração, prejuízos no funcionamento social, escolar, no trabalho e ideação suicida, entre outros
Fonte: Armando Ribeiro, psicólogo