domingo, março 01, 2015

Armando Ribeiro fala sobre os mecanismos de ação do estresse


Um dos maiores especialistas em estresse no Brasil fala sobre a doença ao Diário.

O psicólogo clínico, professor e palestrante Armando Ribeiro, de São Paulo, é um dos profissionais mais ativos do País no combate contra o estresse. Coordenador do programa de avaliação do estresse do Hospital Beneficência Portuguesa, na capital, ele dedicou os últimos 17 anos de sua vida ao estudo, ao ensino, à pesquisa e ao tratamento dos problemas relacionados ao estresse crônico. Colegas e ex-alunos já o chamaram de "estressólogo". 

Ribeiro foi responsável por criar o programa na Beneficência Portuguesa e tornou a iniciativa pioneira no Brasil, seguindo os moldes dos mais avançados centros médicos dos Estados Unidos e da Europa. Segundo ele, de acordo com o American Institute of Stress, até 90% de todas as consultas médicas tem relação direta com o estresse crônico ou o estilo de vida, mas os hospitais brasileiros ainda não estão preparados para prevenir doenças e manter as pessoas saudáveis. 

O especialista criou o programa para provar que é possível promover saúde dentro do hospital, mais do que apenas tratar doenças. "As pessoas ainda têm uma visão distorcida de que psicólogos cuidam apenas de problemas emocionais ou de comportamento, mas é fato que as emoções negativas e o estilo de vida (tabagismo, sedentarismo, nutrição ruim, etc.) são as causas principais da maioria das doenças modernas", afirma Ribeiro, que, na USP e na Unifesp, é professor convidado para ministrar a disciplina de Medicina Comportamental e falar sobre o tratamento psicológico do estresse para alunos da pós-graduação. 

Ribeiro conta que, no hospital, ele conheceu pessoas que enfartaram após uma discussão de trânsito, crianças que tinham crise de asma ou de constipação após presenciarem discussões entre os pais, mulheres com dificuldade para engravidar e que, após desistirem da ideia de ser tornar mães, engravidaram naturalmente, executivos que frente a reuniões difíceis tinham crises de enxaqueca, síndrome do intestino irritável e picos de hipertensão arterial ou ataques de pânico. 

"É inegável que todo adoecimento do corpo e da mente pode ter relações com momentos difíceis da vida, nem sempre conseguimos relacionar diretamente, pois os efeitos do estresse crônico são cumulativos e o adoecimento pode ocorrer meses depois da fonte de estresse ter se encerrado. Muitos não percebem o estresse excessivo em suas vidas, se tornam conscientes dele apenas quando adoecem", explica. 

Apesar de o estresse ser uma expressão usada por dez em cada dez pessoas no dia a dia, seja no trabalho, na escola ou mesmo nas reuniões familiares, durante as partidas de futebol ou no trânsito, Ribeiro percebeu que este é um tema abordado superficialmente e muitas vezes malvisto na formação dos psicólogos e médicos com quem ele já teve contato. "Por sua natureza multifatorial, muitas vezes é banalizado como a 'virose' dos nossos tempos." 

Ribeiro viveu em sua própria casa uma das piores formas de estresse da vida cotidiana: o estresse do cuidador. "Quem já viveu a experiência de acompanhar um familiar profundamente doente e que, com o passar do tempo, vai piorando sua condição clínica, já sentiu na pele o reflexo do que somente depois aprendi ser chamado de 'burnout', ou esgotamento, do cuidador. Naquele tempo, o sofrimento não fazia sentido nem para mim e nem para os meus pais, que assistiam minha avó em sua jornada contra as inúmeras sequelas de vários AVCs (acidente vascular cerebral), seja a paralisia, as escaras, a confusão mental, além das dificuldades financeiras e de todo o sofrimento familiar", lembra. 

Aos 12 anos, o especialista aprendeu a observar como as emoções afetam o funcionamento do corpo, e principalmente como o estresse pode exacerbar crises ou agravar doenças. "Sempre ouvi dizer que aprendemos na vida por via do amor ou da dor. A minha dor me levou a buscar incessantemente uma maior compreensão sobre o estresse e seus tratamentos, aliás, me levou a um dos mais avançados centros de pesquisa sobre estresse no mundo, a renomada escola médica da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O amor me levou a querer disseminar o que aprendo, seja para meus pacientes, alunos ou durante minhas palestras e conferências." 

Diário da Região - Como podemos definir o estressa crônico? Podemos dizer que o estresse é uma doença? 

Armando Ribeiro - O estresse foi chamado de "tensão da vida" pelo médico austro-húngaro Hans Selye, pioneiro nos estudos sobre estresse na década de 1930. Selye descobriu a "síndrome da adaptação geral", que explicaria como os organismos submetidos a um esforço de adaptação teriam importantes modificações nas glândulas e demais órgãos do corpo. 

Nos bastidores, dizem que Selye, ainda estudante de medicina, tinha pouca habilidade no manuseio dos seus animais de laboratório, o que levaria a um estresse crônico destes seres, com consequências desastrosas para os experimentos que conduzia. 

Como em muitas outras coincidências no mundo das ciências médicas, o que seria um desastre se transformou em um rico campo de estudos sobre o desgaste dos mecanismos de adaptação dos seres vivos. Sejam os bolores de Fleming ou os animais de Selye, a ciência avança por caminhos inimagináveis. 

Diário - Qual é a diferença de um simples estresse e do estresse crônico? 

Ribeiro - O estresse é um mecanismo de adaptação fantástico. Não devemos temer o estresse e sim aprender com ele. O estresse é um importante sinal de que o nosso organismo está percebendo ameaças, mas nem todo sinal é legítimo. 

Aprender a controlá-lo é uma das competências mais importantes para viver no século 21. Sem estresse, nossas vidas seriam apáticas, sem graça. Com muito estresse, nossas vidas se tornam eternas montanhas-russas, sempre em 'looping'. 

Diário - De que forma o estresse atua? Quanto mais tempo se vive sob estresse, maior a quantidade de adrenalina e cortisol liberada no organismo? 

Ribeiro - O estresse prepara nosso corpo e nossa mente para enfrentar situações adversas. O problema de todo mecanismo de adaptação é que ele é limitado. Quanto mais ativarmos nossa produção de hormônios do estresse (adrenalina, noradrenalina e cortisol) com menos tempo para a recuperação, nossos órgãos começam a sofrer com a exaustão fisiológica e as pessoas adoecem. 

Recentemente, foi proposto que um dos marcadores fisiológicos mais importantes para o estresse crônico é a chamada "síndrome da fadiga da adrenal", e também o "rebote do sistema parassimpático", ou seja, nosso organismo se torna incapaz de produzir os hormônios da adaptação, e adoecemos. 

O pior disso tudo é que viver no século 21 aumenta nossas chances de não termos tempo para a recuperação. Uma sociedade que tem como ambição funcionar 24 horas por 7 dias está destinada a adoecer física e emocionalmente. 

Diário - Quais são as pessoas mais sujeitas a ter estresse crônico? 

Ribeiro - Conheci uma pessoa que nos procurou por forte indicação do seu médico, que não via mais opções para tratar suas múltiplas queixas físicas. Apesar da resistência inicial a consulta psicológica, descobrimos por meio de um sofisticado equipamento de biofeedback que, embora afirmasse que a vida está tranquila e que não tinha problemas, quando solicitávamos para pensar em seu casamento sua frequência cardíaca tinha picos enormes e outros sinais vitais também se alteravam, apesar da permanência da face tranquila e serena. 

Algumas pessoas são verdadeiras "panelas de pressão", aprenderam desde muito cedo a não expressar suas angústias, outras são frequentemente "implosivas". Por princípio, todos estão sujeitos ao estresse crônico. A Psicologia vem descobrindo alguns fatores que podem aumentar (personalidade codependente, desamparada, desprotegida) ou reduzir (personalidade ousada, sobrevivente) nossa chance de desenvolver estresse crônico. 

Diário - Por que muitas mulheres têm sido diagnosticadas com estresse? 

Ribeiro - As mulheres são mais acometidas por sintomas do estresse crônico do que os homens. Na literatura, encontraremos estudos que sinalizam uma razão de duas mulheres para cada homem diagnosticado, mas outros apontam diferenças ainda mais gritantes, chegando a 3 por 1 ou até mesmo 4 por 1. Não são totalmente claras as causas, mas diversos pesquisadores apontam para alguns fatores, entre eles sobrecarga de trabalho, jornada dupla, expectativas e cobranças socioculturais e questões hormonais. 

Diário - Esse fato de a mulher acumular várias funções - mães, esposas, filhas, amantes, funcionárias, donas de casa... -, o quanto pode influenciar? 

Ribeiro - É uma das causas principais, mas é importante também validar a expectativa social sobre as mulheres, que impõe exigências sobre sua forma física, estética e beleza. Não basta ser apenas uma mulher bem-sucedida ou feliz com a carreira, ainda são frequentemente cobradas a manter um corpo escultural, a passar fome em nome das calorias e a se comportar como o esperado, ou seja, sem cair do salto. A baixa autoestima das mulheres é um dos aspectos que mais potencializam os sintomas do estresse crônico. A mulher quer ser amada, mas ainda precisa aprender a amar a si mesma em nossa sociedade!

Diário - Outras causas são pressões no trabalho, trânsito parado, cumprimento de tantos compromissos todos os dias? 

Ribeiro - Segundo dados recentes da American Psychological Association (EUA), as preocupações financeiras e com o trabalho são as principais fontes de estresse na população adulta norte-americana. Por aqui, também acreditamos que o cenário econômico e político vulnerável é uma das mais importantes fontes de estresse, além dos problemas de relacionamento e a percepção negativa sobre a falta de segurança, excesso de violência, precariedades do sistema de saúde, etc. 

Diário - Pequenos problemas do dia a dia, a longo prazo, acabam criando uma situação de estresse? 

Ribeiro - Pessoas que sofreram algum tipo de violência (sequestro, assalto, bullying) podem desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático, mas as pequenas fontes de estresse do dia a dia (problemas de relacionamento, conflitos no trabalho, trânsito, filas) que passam muitas vezes despercebidos da nossa consciência podem levar à famosa 'gota d'água', em um sistema que já está acumulando hormônios tóxicos do estresse Diário. 

Diário - Trabalho ou relacionamento abusivo podem agravar a doença? 

Ribeiro - Seguramente, os relacionamentos interpessoais são uma das maiores fontes de estresse. Conflitos entre pessoas são marcadamente o gatilho para reações agressivas, desentendimentos e violência social. Temos uma imagem do brasileiro como um povo alegre e pacífico, mas os números apontam o contrário: nossos índices de assassinatos e violência são maiores do que de alguns países em guerra. 

Diário - Mulheres que sofrem com o estresse em seu cotidiano podem apresentar dificuldade para engravidar ou ter menopausa precoce? 

Ribeiro - O estresse é marcadamente uma reação movida por hormônios. No corpo da mulher, os hormônios do estresse podem dificultar a ovulação, aumentar a infertilidade ou interferir com a gestação saudável. É preciso também enfatizar que, durante o primeiro trimestre da gestação, em que ocorre um amplo desenvolvimento do sistema nervoso central do bebê, os hormônios do estresse na corrente sanguínea da mãe podem afetar seu desenvolvimento pleno. 

Estudos experimentais com animais de laboratório já concluíram que a produção excessiva do cortisol das mães atravessam a placenta e podem interferir na formação do cérebro do feto. Os animais filhos de mães estressadas cronicamente tinham menos receptores para os hormônios do estresse e que, portanto, tinham maior vulnerabilidade à produção excessiva de tais hormônios. 

Diário - Em situações estressantes, o corpo da mulher pode produzir uma quantidade maior de testosterona, o hormônio masculino? 

Ribeiro - Em situações estressantes, o organismo das mulheres pode responder com a produção dos hormônios do estresse (adrenalina, noradrenalina e cortisol), gerando a resposta de fuga ou luta, mas também foi descoberto outro mecanismo chamado de reação de cuidado e intimidade (tend and be-friend), que ocorre através da produção de ocitocina. 
Especula-se que as mulheres primitivas não podiam reagir como os homens, pois delas dependiam os cuidados com as crianças. Em vez de lutar ou fugir, seus cérebros produziam uma condição que propiciava o cuidado e a aproximação. Estudos atuais apontam que homens, quando sentem estresse intenso, respondem mais frequentemente de forma egocêntrica, ou seja, centrados em si mesmos e menos interessados em relações sociais como forma de reduzir a carga emocional e cognitiva. 

Diário - Quais são os primeiros e principais sintomas do estresse crônico? Que dicas você dá para seu paciente reconhecer que o mecanismo de estresse está se instalando? 

Ribeiro - O estresse crônico ou estresse tóxico pode ser compreendido através do modelo de quatro fases distintas: fase de alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão. Na escola médica de Harvard, aprendemos a prestar atenção em algumas queixas comuns relacionadas ao estresse crônico, entre elas tensão muscular, dor de cabeça, no pescoço ou nas costas, problemas digestivos, boca seca, taquicardia e dor no peito, insônia, fadiga, perda da libido, perda do apetite ou compulsão alimentar, resfriados repetitivos, falta de concentração, esquecimentos, problemas de aprendizagem, irritabilidade, ansiedade e depressão. Nosso Programa de Avaliação do Estresse está dentro de um complexo médico-hospitalar, o que permite aos nossos pacientes serem avaliados por uma equipe multidisciplinar, por meio de check-up. 

Diário - Problemas de memória, pesadelos constantes, hipersensibilidade, irritabilidade exagerada, perda do interesse sexual, doenças físicas ou emocionais, como depressão e transtornos de ansiedade, podem ser sinais?

Ribeiro - O estresse crônico pode afetar profundamente o equilíbrio do sistema nervoso, do sistema imune e da capacidade de recuperação do organismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que 7 entre as 10 principais causas de morte atualmente estão relacionadas ao estresse crônico. Apenas 5 minutos de estresse intenso podem diminuir a imunidade por até 6 horas. 

Diário - É verdade que muitos só buscam ajuda quando o estresse crônico já provocou alguma doença? 

Ribeiro - Para muitos, o estresse é imperceptível, como o aumento da pressão arterial ou do colesterol. Quando a pessoa busca ajuda, em geral, já está nas fases mais severas do estresse e pagando um preço alto em termos de saúde física, emocional e de relacionamentos. Sistemas de saúde mais inteligentes querem identificar o estresse em seu início para evitar as grandes complicações e economizar dinheiro da população. O melhor remédio para o estresse é investir em medicina preventiva, aquela capaz de promover saúde e bem-estar da população. A melhor medicina preventiva é aquela que começa em casa, com hábitos de vida saudáveis e é estimulada na escola através de educação para promover saúde e bem-estar. 

Diário - O estresse faz com que o sistema imunológico entre em colapso e abra espaço para as doenças oportunistas, como câncer, hipertensão, depressão, diabetes, asma e psoríase, entre outras? 

Ribeiro - O estresse crônico seguramente inibe o sistema imune, além de aumentar a produção de substâncias inflamatórias em nosso organismo. E é capaz de levar ao envelhecimento precoce, o que já foi estudado através do encurtamento dos telômeros. A boa notícia é que práticas antiestresse e que promovam o bem-estar podem recuperar a capacidade do corpo em se regenerar. 

Diário - Para evitar que o estresse tenha um efeito devastador sobre a vida e a saúde, é necessário ficar de olho nos sintomas e puxar o freio de mão caso eles apareçam com frequência no cotidiano? 

Ribeiro - Para evitar o estresse crônico, é preciso promover um estilo de vida saudável. Quem gosta de carros, gasta muito tempo nos finais de semana para manutenção, verificar o óleo, os pneus, os freios e o motor. Ainda não vemos o mesmo cuidado com o nosso corpo. 

Diário - Praticar exercícios físicos, adotar uma alimentação balanceada e técnicas de relaxamento e respiração profunda e ter uma visão realista dos acontecimentos estão entre as estratégias mais empregadas na prevenção? 

Ribeiro - Sim e não. Cada vez mais as pessoas sabem o que precisa ser feito, mas não fazem. A grande questão atual na medicina do estilo de vida e gestão do estresse é como levar as pessoas do conhecimento para a ação. Existem teorias que descrevem a motivação para mudança em estágios determinados, cada um deles corresponderia a determinadas estratégias por parte dos profissionais da saúde. Os antigos já diziam "Saber e não fazer é igual a não saber!", porque "quem sente sede não quer saber a fórmula da água". 

Diário - Também é fundamental estabelecer prioridades na vida e aprender a ver o lado positivo das coisas? 

Ribeiro - Quem sofre de estresse crônico está com o cérebro literalmente bombardeado por substâncias que sinalizam ameaça e intensificam as poderosas emoções do medo ou raiva. Aprender a estabelecer prioridades e desenvolver uma visão positiva das dificuldades pode ajudar a pessoa a parar de reagir a substâncias tóxicas do próprio organismo. Quanto mais estresse produzimos, menos capacidade de pensar com clareza e tomar decisões racionais teremos. Em vez de usarmos o córtex pré-frontal (pensamento racional), somos dominados pela ativação da amígdala cerebral (medo e raiva). 

Diário - O estresse crônico tem cura? Existe algum remédio específico para tratar o problema? 

Ribeiro - O estresse crônico tem cura e um dos melhores antídotos para ele é o cultivo da atenção plena no momento presente. Práticas meditativas milenares baseadas no "mindfulness" (atenção plena) são reconhecidamente abordagens efetivas para desenvolver resiliência e maior tolerância às adversidades. Além de sofrer do estresse crônico, nossa sociedade tem sofrido com o uso abusivo de substâncias psicotrópicas, como calmantes e sedativos. O melhor remédio para o estresse não é sedar esse mecanismo de sobrevivência, mas aprender a regulá-lo através de um estilo de vida saudável e da promoção do bem-estar. Treinar a mente é mais do que aprender os conteúdos da nossa educação tradicional. 

Diário - A pessoa estressada precisa tratar a causa e não os efeitos? O primeiro passo é aceitar que precisa de ajuda? 

Ribeiro - Geralmente, as pessoas só buscam ajuda quando o estresse interfere nos estudos, no trabalho ou nos relacionamentos afetivos. Muitos buscam sozinhos paliativos para o estresse intenso, alguns abusam de álcool ou do cigarro, outros compensam na compulsão alimentar, por compras,... Sou defensor de uma educação socioafetiva nas escolas. Ensinamos habilidades em português ou matemática, mas ainda pecamos pela falta de desenvolvimento da inteligência emocional dos nossos filhos. 

Na escola de negócios da Universidade de Harvard, pude acompanhar o trabalho do psicólogo Daniel Goleman sobre o treinamento de competências comportamentais aos futuros líderes do país, por aqui é ainda uma panaceia. Para Goleman, "cerca de 80% das demissões no mundo corporativo são causadas por problemas comportamentais e pela falta de inteligência emocional", ou seja, as admissões acontecem pelo QI (quociente de inteligência) e as demissões pela IE (inteligência emocional). 

A Harvard Business Review já estimou um custo de cerca de 300 bilhões de dólares por ano relacionados ao estresse excessivo no trabalho. Em nosso país, as empresas ainda não se conscientizaram da importância de criar ambientes protegidos do estresse excessivo. Portanto, enquanto perdem produtividade, seus colaboradores perdem a saúde. 

Diário - Na maioria das vezes, é necessário contar com auxílio de um psicólogo especializado em estresse e de um médico. Quais profissionais são indicados para tratar o estresse crônico e de que forma eles atuam no tratamento? 

Ribeiro - Ouvir de um médico que o estresse é responsável pelas queixas, para muitos, é uma das piores sensações do mundo. Alguns pacientes já relataram que é como se tivessem perdido o controle da própria vida, para outros é tão fantasioso como se fosse um novo tipo de "virose" ou alguma "frescura". Para piorar, alguns profissionais da saúde menos capacitados em diagnóstico e gestão do estresse vêm com receitas prontas, do tipo: "tire umas férias", "viaje", "vai pescar", "precisa namorar mais", "relaxe", "esfrie a cabeça", "tome esse calmante", "isso vai passar", etc. Não existem receitas prontas quando o estresse já se transformou em doença, quem viaja com' estresse crônico leva-o na mala. 

Em Harvard, aprendemos que, por se tratar de uma reação multifatorial, com consequências para o corpo e a mente, é desejável que os programas antiestresse tenham uma abordagem multiprofissional. É preciso tratar da pessoa como um todo. Quem está sob estresse crônico não apresenta só problemas físicos, emocionais ou no trabalho. É preciso que uma equipe especializada. Nos EUA, é comum que as equipes contenham médicos, psicólogos, enfermeiros, nutricionistas, professor de educação física, acupunturistas e especialistas em práticas integrativas. 

Diário - No Brasil, qual é a cidade com maior índice de estressados? 

Ribeiro - Sem dados oficiais, acreditamos que os grandes centros urbanos brasileiros concentram um maior número de indivíduos com potencial para apresentar os sintomas do estresse crônico. As dificuldades em se morar em grandes cidades, como violência urbana, desconexão social, trânsito, poluição, filas, falta de áreas verdes, são algumas das situações que potencializam o estresse do dia a dia. Ficar preso no trânsito pode aumentar em até três vezes o risco de infarto. 

Alguns estudos da Clínica Mayo (EUA) mostram que a cada hora que permanecemos sentados (sedentários), podemos diminuir nossa expectativa de vida em 22 minutos. Atualmente, permanecemos em média 6 horas sentados no trabalho e 4 horas na frente da TV. Um estudo realizado na Inglaterra mostrou que uma breve caminhada de 5 minutos por áreas verdes pode reduzir os níveis de cortisol em até 30% e aumentar o foco e a criatividade no trabalho. 

Ainda segundo estudos realizados na Universidade do Arizona, mudanças nos escritórios, incluindo luz natural, fluxo de ar puro e mobiliário ergonômico reduziram os sinais de estresse ocupacional, do cortisol salivar e da frequência cardíaca. 

Diário - São quantos estressados no Brasil? 

Ribeiro - Sem dados oficiais, as diversas pesquisas no país indicam números entre cerca de 34% a 70% de indivíduos acometidos pelo estresse intenso. Os valores são amplos, pois denotam populações e metodologias diferentes. 

Diário - Crianças também têm estresse? 

Ribeiro - Sim, infelizmente. Cada vez mais crianças vão aos consultórios dos pediatras e psicólogos infantis com sintomas de estresse crônico. Doenças como asma e alergias muitas vezes estão ligados à ansiedade. Há casos também de diarreia, febre e dores no corpo, que são diagnosticados como virose, mas que na verdade podem ser indícios de estresse. 

Diário - Quais são os sintomas físicos em crianças? E os sintomas psicológicos? 

Ribeiro - Diarreia, dor de barriga, dor de cabeça, enurese noturna, falta de apetite, gagueira, hiperatividade, mãos frias e suadas, náuseas, ranger dos dentes, tensão muscular, tique nervoso. Os psicológicos são introversão súbita, terror noturno, agressividade, ansiedade, hipersensibilidade, dificuldades interpessoais, pesadelos, preocupação, impaciência, insegurança, desobediência, medo ou choro excessivo. 

Diário - O número de estressados só tende a aumentar? 

Ribeiro - É razoável pensarmos que passamos por um momento turbulento no cenário político e econômico do país. Embora o estresse seja uma percepção de ameaça pessoal, fica cada vez mais difícil manter-se equilibrado quando as notícias que chegam são assustadoras. 

Acredito que ainda precisamos fomentar uma cultura das competências socioafetivas e de resiliência nas escolas, além de oferecer mais oportunidades para que as pessoas (professores e alunos) aprendam métodos eficientes para a autogestão do estresse. Tanto nos EUA quanto na Europa já existem escolas que ensinam exercícios para autogestão do estresse e da resiliência, através de técnicas de respiração, "mindfulness" (atenção plena), técnicas expressivas, jogos colaborativos e, principalmente, oferecendo educação sobre hábitos saudáveis de vida. Isso não é uma opção. Aliás, ou promoveremos a saúde e o bem-estar social ou criaremos mais e mais gerações vulneráveis ao estresse crônico.

Fonte: Francine Moreno / DiarioWeb

Prof Armando Ribeiro na capa do jornal Diário da Região.

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