sábado, novembro 05, 2016

Ansiedade. Farmácia Literária

Retrato de uma senhora
Henry James

Ansiedade

Viver com ansiedade é viver com uma sanguessuga que sorve sua energia, autoconfiança e entusiasmo. Marcada por uma sensação constante de inquietação e temor - diferente da sensação de frustração que caracteriza o estresse - a ansiedade é tanto uma resposta a circunstâncias externas como um modo de encarar a vida. Embora as circunstâncias externas não possam ser controladas, a resposta interna pode; uma risada ou uma grande inspiração de oxigênio (a primeira levando à segunda) geralmente aliviam os sistemas pelo menos temporariamente, além de oferecer um estímulo para relaxar. A causa da ansiedade, no entanto, determina se rir ou se respirar e relaxar é a cura apropriada. Felizmente, nossa cura oferece os três.

Das catorze causas de ansiedade que identificamos, o primeiro capítulo de Retrato de uma senhora, de Henry James, pode aliviar dez. Tendo como abertura uma descrição da civilizada e serena instituição do chá da tarde em jardim no campo na Inglaterra - completada pela luz suave de fim de tarde, longas sombras, xícaras de chá "seguradas por muito tempo próximas ao queixo", tapetes, almofadas e livros espalhados pela relva à sombra das árvores - , seu convite para que você se tranquilize e também tome um chá (útil para as causas 2, 3, 4, 7, 10, 11, 12, além de alguns elementos da 13) é reforçado pela prosa sem pressa e elegante de James, um bálsamo para a ansiedade derivada de todas as causas precedentes e também eficaz para começar a erradicação completa da ansiedade produzida pela causa número 8.

Dizer que a prosa de James se estende espessamente, como manteiga, não pretende sugerir que ela seja pastosa, mas cremosa - e acrescentemos que é manteiga salgada. Pois os prazeres tanto da prosa como do chá da tarde são completados pelos diálogos de James, que contém franqueza e sagacidade (um curativo para as causas de número 1 a 4, e também excelente para a 7). Pois a conversa entre os três homens - o velho banqueiro americano em cadeira de rodas, sr. Touchett, seu "feio, doentio", mas charmoso filho, Ralph, e o "visivelmente belo" Lord Warburton, com seu rosto quintessencialmente inglês - é sempre voltada a gerar riso, e os personagens não têm receio de se provocar mutuamente (note a referência marcadamente não inglesa de Lord Warburton à riqueza do sr Touchett). Liberta das correntes do decoro e da forma que vinham agrilhoando os diálogos com gramados similares três quartos de séculos antes, é o tipo de conversa que o deixa à vontade (tratando, novamente, das causas 1 a 4 e 7, e aliviando também aquelas de número 6 e 9-12).

Quando ao pequeno grupo vem se juntar a prima americana de Ralph, Isabel Archer, recentemente "adotada" pela sra. Touchett, a conversa perde um pouco da naturalidade, mas ganha em espírito, pois Isabel, nesse estágio de sua vida, tem uma leveza, uma audácia e uma autoconfiança que não podem deixar de impressionar o leitor. Os que sofrem de ansiedade pela causa de número 9 acharão sua presença na história especialmente curativa.

De fato, recomendamos esse romance para todos os sofredores de ansiedade, exceto os que são ansiosos devido às causas 5 e 14 (para os últimos, em particular, livros de qualquer tipo são inúteis, a não ser que possam, talvez, ser usados como armas), embora leitores que sofram de ansiedade pelas causas 1 e 2 devam estar avisados de que o final pode produzir o efeito contrário e levar os sintomas a piorar. Nesse caso, eles devem voltar imediatamente ao início, para mais uma dose de chá da tarde.

Observação
1) Trauma, incluindo abuso ou morte de uma pessoa amada; 2) problemas de relacionamento, seja em casa ou no trabalho; 3) trabalho / escola; 4) finanças; 5) desastre natural; 6) falta de oxigênio em grandes altitudes; 7) levar a vida a sério demais; 8) sensação angustiante de que deveria ter lido mais clássicos; 9) falar negativamente de si mesmo; 10) saúde ruim / hipocondria; 11) uso excessivo de drogas; 12) estar atrasado / ocupado demais; 13) comida, água, calor ou conforto inadequados; 14) ameaça de ataque por animal ou pessoal feroz.

Fonte: Modificado do livro Farmácia Literária (Berthoud & Elderkin, 2016)

Sobre o livro Farmácia Literária

Lido no momento certo, um livro pode mudar sua vida. Farmácia literária é um tributo a esse poder. Para criar esta obra, as autoras viajaram por dois mil anos de literatura, selecionando livros que promovem felicidade, inspiração e sanidade, escritos por mentes brilhantes que nos mostram o que é ser humano e nos permitem identificação ou até mesmo catarse. Estruturado como uma obra de referência, em Farmácia literária os leitores podem simplesmente procurar por sua “doença”, seja ela agorafobia, tédio ou crise da meia-idade, e encontrarão um romance como antídoto. 

A biblioterapia não discrimina entre as dores do corpo e as da mente (ou do coração). Está convencido de que tem sido covarde? Leia O sol é para todos e receba uma injeção de coragem. Vem experimentando um súbito medo da morte? Mergulhe em Cem anos de solidão para ter uma nova perspectiva da vida como um ciclo maior. Ansioso porque vai dar um jantar na sua casa? Suíte em quatro movimentos, de Ali Smith, vai convencê-lo de que a sua noite nunca poderá dar tão errado. 

Brilhante e encantador, Farmácia literária pertence tanto à estante de livros quanto ao armário de remédios. Esta obra vai fazer com que até mesmo o leitor mais aficionado descubra um livro do qual nunca ouviu falar e enxergue com outros olhos aqueles mais familiares. E, mais importante, vai reafirmar o poder da literatura de distrair e fazer viajar, repercutir e curar, além de mudar a maneira como vemos o mundo e nosso lugar nele.

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